sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

A garrafa do náufrago e o gênio da lâmpada

Gênios há muitos. Dos que inventam a teoria da relatividade aos azuis esfumaçados, de turbante na cabeça e bíceps avantajados. E da clausura desta última classe de gênio surge o diabo, da mesma oficina dos desocupados.
Dizem que um dia o gênio foi libertado por um rei. E ao indagar a seu libertador provisório seus três desejos, salientando que só não poderia realizar pedidos de amor, de vida e de morte, ouviu dele a seguinte resposta:
- Não quero nada, pois já tenho tudo, minha vida é perfeita. Sou rico, tenho uma linda esposa e uma filha maravilhosa. Meu reino vive em paz e não imagino mais nada que possa desejar.
Diante de surpreendente resposta, o gênio teria ficado atônito, mas admirou a sabedoria do amo. Contou que ao longo de séculos já havia realizado mais de 1000 desejos. E que ao final, todos eles, sem exceção, haviam trazido a ruína para quem os desejou. Aproveitou a deixa para dizer o quanto sua vida era um inferno, aprisionado durante séculos e séculos naquela lâmpada velha, esperando pelo momento em que alguém o libertaria. Liberdade esta tão ilusória, pois duraria apenas alguns minutos, já que, depois de realizar o desejo alheio, ele fatalmente voltaria para a clausura.
O rei, bondoso e feliz como era – porque bondade e felicidade andam de mãos dadas – se compadeceu do pobre gênio e disse:
- Sendo assim, eu desejo a tua liberdade. E desejo também que os meus dois próximos desejos sejam teus, para que deles usufruas como bem desejares.
E imediatamente os grilhões que prendiam aquele gênio se quebraram e ele mal podia expressar o quanto estava imensamente e eternamente grato. Não conhecia, porém, a ninguém neste mundo com quem pudesse aproveitar sua liberdade. O rei, então, o convidou para viver em seu palácio.
Ao chegar ao palácio, foi apresentado à família. Não pôde conter seu deslumbre ao contemplar a beleza da rainha. A partir de tal momento, seu desejo só foi crescendo e não parava de pensar que tudo faria para ter o amor que nunca teve.
A rainha calhou de não ser tão feliz quanto o rei. Ela também almejava sua liberdade e logo iniciou um romance secreto com o gênio. Afinal o convenceu de que era necessário matar o rei. E o gênio assim o fez, em nome de um desejo doentio. Durante o plano mirabolante, utilizou os dois desejos que haviam lhe sido altruisticamente transferidos pelo rei agora traído. Momentos antes do assassinato, o gênio, sem deixar de demonstrar culpa, entretanto sem retroceder, achou por bem conceder ao rei algumas considerações:
- Sinto muito ter de matá-lo, mas meu desejo é mais forte que minha gratidão. Vossa Majestade nunca deveria ter feito aquele pedido, pois conforme eu mesmo avisei, todos os pedidos até hoje facilmente concedidos através de meus poderes terminaram em tragédia.
Esta fábula representa a capacidade destrutiva dos desejos realizados sem esforço. Um dos provérbios do Rei Salomão aconselha o leitor a não querer ficar rico da noite para o dia: “Não queiras enriquecer rapidamente”, diz ele.
Todos já assistimos histórias de pessoas que ganharam na loteria e depois perderam tudo, pois não estavam preparadas para administrar a riqueza. Agiram de maneira irresponsável, porque o problema nunca foi a falta de dinheiro, mas a falta de disponibilidade para batalhar por ele e mantê-lo. Claro que há exceções, mas há sempre algo de errado quando alguém faz de seu objetivo de vida alcançar o êxito fácil, sem mérito próprio, valendo-se pura e simplesmente da “sorte”.
A antítese perfeita em contraponto à lâmpada do gênio é a garrafa do náufrago, depositada no mar. Quem recolhe uma garrafa boiando no mar, com uma mensagem dentro, não espera tirar dela a solução para todos os seus problemas, talvez o objetivo nem seja o de encontrar solução para problema algum, mas lançar reflexões, injetar significados, evocar emoções.
Há pouco tempo uma americana de nome Paula recebeu uma mensagem em uma garrafa atirada ao mar há pelo menos 30 anos por seu pai, já falecido. A mensagem foi encontrada numa antiga garrafa de Coca-Cola, nas ilhas de Turks e Caicos. Nela, uma mensagem em papel amarelado pedia: “Devolver ao (endereço) Ocean Boulevard, 419, e receber uma recompensa de US$ 150 de Tina, dona do Beachcomer”. Tina era a mãe de Paula, que morreu na década de 80, e Beachcomer é o hotel Beachcomber, escrito com grafia errada, herdado por Paula.
Ao ficar sabendo da mensagem, através de um jornal local, Paula, que sente muita falta dos pais, contou que o pai teria escrito o bilhete como forma de fazer uma piada com sua mãe. “Foi como entrar em contato com o passado. Há uma razão para que a garrafa tenha reaparecido apenas agora; me deu arrepios, eu comecei a chorar quando soube da mensagem. Sinto como se eles estivessem me mandando uma mensagem mesmo”, disse.
Encontrar uma garrafa assim numa praia qualquer, vinda ela de alguém que está perdido ou então já nem mais neste mundo, é funcionar como uma ponte que leva a um momento singular do passado, enchendo de significado o presente. É fazer parte de um momento muito especial na vida de várias pessoas. Algo intangível, como o amor, a vida e a morte, justamente as três coisas que o gênio da lâmpada não seria capaz de dar a ninguém que lhe esfregasse a morada.
Gosto de comparar este paralelo entre a lâmpada mágica e a mensagem na garrafa com os sonhos imediatistas da sociedade atual. O frisson de se esfregar uma lâmpada mágica devidamente substituído por um vistoso cartão de crédito. Fácil e prático como um simples esfregão, permite tocar o objeto dos sonhos em questão de segundos, abolindo a sensação do dinheiro suado indo embora, do papel escorregando por entre os dedos. São sonhos pequenos, em grande quantidade, capazes de causar verdadeiros tsunamis na vida de milhões de pessoas.
Já a garrafa solta no mar e encontrada décadas depois por alguém pode traduzir o ideal dos que alimentam sonhos grandes. Sonhos tão grandes que parecem ser impossíveis, como a remota possibilidade dessa garrafa chegar a uma praia qualquer que seja habitada, em vez de enroscar num banco de corais ou de ir parar na barriga de uma orca.
Quem deposita uma mensagem no interior de uma garrafa tem noção de futuro, tem paciência, não precisa de velas, motor ou hélices, deixa o curso da vida e as ondas do mar seguirem seu destino, seu balanço. Coloca a garrafa no mar e segue sua vida batalhando, construindo canoas, pescando seus peixes, acendendo fogueiras. Vale a pena depositar a garrafa no mar, ainda que a resposta não venha em segundos, como num comentário de rede social, ainda que já não se esteja neste mundo, quando a mensagem chegar nas mãos do seu amor.
E quando este ou qualquer desejo grande é finalmente realizado como se deve, respeitando-se o caminho que deve ser traçado, os efeitos são grandes, mas abstratos demais para serem explicados. O trajeto nem sempre fácil, como não é fácil ser ético, honesto, altruísta e verdadeiro. O caminho é tortuoso, cheio de percalços e fortes tempestades. Mas quando a mensagem chega a seu destino, quando a missão é finalmente atingida, é tão forte e bonita que nos faz lembrar dos sentimentos eternos e essenciais, que prevalecem sobre a presença terrena e sobre a própria mensagem da garrafa, que subsistiu no mar durante tanto tempo.
Seria bom que mais garrafas perambulassem nos mares do mundo. É bom que permaneça enterrada nas dunas de um deserto hostil a tentadora e maldita lâmpada mágica.

2 comentários:

  1. Fantástico a forma como vc trouxe isso pra nossa realidade, trás o indicativo de uma vida de valor e evolução, dentro dos reais valores...Muita Paz!!!

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