sexta-feira, 25 de maio de 2012

Dia do Abraço


No dia 22 de maio comemoramos o Dia do Abraço. Cada vez fico mais boba de ver como a nossa sociedade anda mais carente que meu coelhinho fuzzy lop. Todo dia de manhã ele rodopia à minha volta, como se eu fosse literalmente o sol da vida dele, depois senta numa posição de Buda roedor, só querendo dizer uma coisa: acaricie-me. E eu obedeço. Se um alienígena fosse enviado a Terra pra espionar a raça humana e visse a situação, ia reportar a seus superiores que no Planeta Terra os coelhos got the power.
E eu abraço meu coelho e não abraço meu vizinho. Isso faz de mim a pior pessoa do mundo? Acho que não. Eu abraço também a minha mãe, o meu marido, amigos íntimos. E nunca precisei de um Dia do Abraço antes, o que me leva a pensar na razão de terem criado uma data tão idiota.
E antes que me acusem de insensível, eu explico. Abraços e beijos são coisas simples demais – ao menos deveriam ser – para serem transformadas em datas. E se assim foram é porque há algo de errado com as pessoas e inventar uma ocasião especial pra isso não vai resolver nada, não vai acabar com toda a insensibilidade do mundo cheirar o cangote de um completo estranho.
Colocar um ativista para estimular a cultura do abraço em série numa rua movimentada, com um cartaz no pescoço escrito “abraços grátis” ou aparecer no trabalho abraçando todo mundo, até aquele que está açoando o nariz, só vai produzir duas coisas: constrangimento e epidemia de gripe.
Num dia assim deve ter muita gente que se esconde no banheiro pra não levar um abraço daquele que tem fama de tarado, do outro que tem bafo, da fulana que tem cecê ou ainda daquela outra inconveniente que te abraça pra logo depois dizer: “deu uma engordadinha, né?”.
 Abraço não se força, não se impõe, não se manipula, não se sugestiona. Acontece naturalmente. E se não acontece não é o fim do mundo. Eu prefiro uma pizza.
Vão dizer por aí que o mundo está do jeito que está porque as pessoas não se abraçam. Mas eu digo que talvez elas não se abracem exatamente porque o mundo está do jeito que está e não é conveniente sair por aí abraçando todo mundo e depois por a mão no bolso e sentir falta da carteira.
Não é o roteiro do nosso teatro que tem que mudar, mas o nosso interior. O mundo precisa de mais sinceridade, honestidade, coerência, caridade, ética, paz, amor, atitude, constância. De tanta coisa! Eu acho que abraço é o que menos a gente está precisando. Principalmente quando eu penso em Brasília.
O mundo definitivamente não precisa que todo mundo se abrace gerando uma propagação em massa de vírus e bactérias, pra depois cada um voltar pra sua casa exatamente o mesmo.
Eu não abraço todo mundo que gosto e admiro. Apenas me relaciono com cada um de maneiras diferentes, como convém ser. Eu admiro o escritor Ariano Suassuna, mas, de todo o coração, não preciso abraçá-lo. Eu adoro ler as crônicas de Luís Fernando Veríssimo, mas se ele não quer me abraçar eu fico totalmente indiferente. Meu vizinho da frente é simpático, sempre me cumprimenta com um sorriso, mas não vejo a menor necessidade de trocar contato físico com ele. A recepcionista de onde eu trabalho é muito eficiente e eu reconheço isso, mas acredito que ela prefira receber um elogio numa reunião com o chefe que um abraço. Da mesma forma como eu amo de paixão um monte de gente com as quais jamais viajaria junto, pois, pacatos como são, seriam péssimos companheiros de aventuras. Do mesmo jeito como eu ajudo a quem não confio, como eu me divirto com quem não sabe dar conselhos. Pela mesma razão pela qual valorizo muitas pessoas, mas não sou nem louca de comer a comida delas – eu me amo e não confio na minha comida – ou ainda o motivo pelo qual, quando eu viajo, não deixo meu coelhinho com amigos meus que eu adoro, porque ainda que eles jurem que vão cuidar eu sei que existe uma grande possibilidade do meu orelhudo morrer de sede. Ainda outros dizem que não podem ficar com ele porque ele roeria seus móveis todos, o que é bem provável. Como devo interpretar isso? Que eles gostam mais dos móveis do que de mim? Não. Da mesma forma como o fato de eu não abraçar alguém não me torna insensível ou fechada.
E só pra finalizar: meu coelho odeia ser abraçado. Ele sai correndo. Ele gosta de receber carinho sem ser apertado. Ele gosta do que eu sou capaz de lhe proporcionar, apesar de não saber a menor ideia de quem eu sou realmente. Eu posso ser uma psicopata que pra ele não vai mudar nada. Ele vai continuar me “adorando”, jogado aos meus pés, exagerado. Porque é isso que fazem os animais.
Por isso mesmo, como seres humanos, deveríamos esperar por muito mais que um mero abraço, porque abraçar uma pessoa que mal conhecemos e sequer despertamos a curiosidade por conhecer, para depois virarmos as costas e voltarmos pra casa com a sensação de dever cumprido, não nos faz pessoas melhores. Não quer dizer absolutamente nada, se ainda continuamos a sociedade egoísta e individualista, que prefere interagir com uma iguana do que com a complexidade de outro ser, afastando-se dele ao menor sinal de desagrado ou discordância, alegando sempre incompatibilidades que no fundo não passam de agressão ao próprio narcisismo. Dia do Abraço? Sinceramente? Pro meu coelho pode estar valendo, mas continuo esperando mais dos seres humanos.

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Onde nasce o preconceito?



Onde você nasceu? De que forma você nasceu? E de que forma nasce o preconceito? Para responder tais perguntas, defina primeiro a que geração você pertence. Você é Geração Coca-Cola, Geração Paz e Amor, Geração do Voluntariado ou da Geração dos Desclassificados? Se o preconceito brota de você, sua geração não merece sequer classificação. Porque o preconceito nasce do desconhecimento. Estranhamos e ‘desgostamos’ aquilo que não conhecemos. Se as pessoas fossem mais viajadas e mantivessem a mente aberta para as diferentes culturas, seriam tão mais interessantes quanto menos preconceituosas. De quebra, aprenderiam mais e contribuiriam positivamente para o crescimento do outro. Todos ganhariam com isso.
Não é de se estranhar que o preconceito encontre raízes fortes entre pessoas com nível educacional mais baixo. Mas também é possível ver gente rica e com curso superior agindo de maneira preconceituosa, porque não dá pra confundir conhecimento acadêmico com o verdadeiro conhecimento, com uma pessoa que pensa.
O preconceito é de todas as cores, credos, origens e opções sexuais. E para se distanciar ainda mais do objeto odiado, o preconceituoso se apega a estereótipos, fortalece ideias e mitos criados para enfraquecer a classe odiada. E assim germinam absurdos que ligam latinos a drogas, homossexuais à perversão, negros ao fraco desempenho intelectual e bom desempenho nos esportes, nordestinos à imagem do migrante pobre e inconveniente.
Para que este artigo não tenha 30 páginas, vamos nos apegar ao mais recente caso da estudante de Direito Mayara Petruso, punida pela Justiça pelas declarações preconceituosas contra nordestinos no Twitter.
Há muitos outros paulistas e paulistanos como ela, infelizmente. Como nordestina, sofri certo preconceito quando me mudei para Catanduva ainda criança, mas na época não se falava em bullying. Era tudo encarado como brincadeira, mas é uma brincadeira que acaba sendo divertida para quem a faz. Poucos procuram saber se a brincadeira está agradando quem é o alvo dela. No ano de 1983, houve uma severa seca no sertão nordestino – como aliás acontece de tempos em tempos e ninguém resolve – e a imagem do nordestino era vinculada à miséria, à carência e, claro, era tudo verdade, mas em vez dessa verdade suscitar maior interesse dos brasileiros de outras regiões pelos problemas que são do Brasil e não se restringem só a uma região, é mais fácil se manter ausente, como se aquilo fosse um outro país, e tratar as pessoas que vêm de lá quase como animais. Senão como animais, brasileiros inferiores, de certa forma, não como os brasileiros germânicos do sul. Cansei de ouvir declarações como: “Você é paraibana? Nossa... mas você é alta, tem boa aparência...”. Lembro que nos anos 80, alguns brasileiros sequer sabiam da existência de alguns lugares paradisíacos no Nordeste. Achavam que aquilo era só seca, que não tinha belezas. A barreira turística foi rompida, mas ainda há muita desinformação. E isso está profundamente ligado ao péssimo nível educacional do brasileiro, que desconhece seus próprios gênios, num país onde a bailarina do Latino é mais conhecida que um escritor do naipe de Ariano Suassuna.
E o escrito paraibano é apenas um entre tantos exemplos de nordestinos famosos, talentosos, inteligentes e bem sucedidos que vou elencar. Entre os músicos: Caetano Veloso, Gilberto Gil, Moraes Moreira, Lenine, Raul Seixas, Pepeu Gomes, Zeca Baleiro, Fagner, Djavan, Hermeto Pascoal, Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Chico Science.
Entre os escritores: Jorge Amado, Guimarães Rosa, Arthur Azevedo, José Lins do Rego, Graciliano Ramos, João Cabral de Melo Neto, José de Alencar, Nelson Rodrigues. Raquel de Queiroz.
Entre as modelos internacionais temos: Adriana Lima, Fernanda Tavares, Laís Ribeiro, Suyane Moreira, Emanuela de Paula, Bruna Tenório, Daniela Alves Rezende, Kamila Hansen, Simone Carvalho, Isabela Melo, Luciana Curtis.
Temos ainda o jornalista Assis Chateaubriand, os cineastas Cacá Diegues e Glauber Rocha, o poeta Castro Alves, o dramaturgo Dias Gomes, o sociólogo Gilberto Freyre, os atores Marco Nanini e Wagner Moura, o pedagogo Paulo Freire, o pintor Romero Brito e tantos outros.
Os nordestinos encontram-se em todas as partes do país, misturam-se a todos nós, brasileiros. Como é possível, então, que em pleno século 21, um povo tão notadamente reconhecido pela sua simpatia e miscigenação, seja preconceituoso para com quem vêm de outras paragens, em especial a região Nordeste?
Quais características de outras regiões fazem seus moradores sentirem-se tão diferentes? Curitiba, tão elevada à condição de capital europeia brasileira, têm amargado índices de criminalidade altíssimos. São Paulo, a cidade que nunca pára – graças em boa parte ao trabalho dos nordestinos – é uma cidade feia. Com partes bonitas, áreas desenvolvidas e onde se encontra de tudo. Mas, convenhamos, se compararmos com outros grandes centros do mundo, como Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro ou Fortaleza, São Paulo não tem grandes belezas que se destaquem em sua paisagem. E o caso aqui não é falar mal desta ou outra cidade, mas de se encarar a realidade. E talvez a mais gritante delas seja o fato de que muitos neonazistas que batem em nordestinos dobram a esquina e pedem uma tapioca com doce de leite. Porque simplesmente há milhões de paulistanos descendentes de nordestinos. Porque os paulistanos podem descender de qualquer um de qualquer parte do mundo. Porque São Paulo talvez seja a cidade mais brasileira do Brasil justamente por isso, por reunir numa só cidade pessoas com ascendências de diferentes etnias e regiões. A maioria de quem está lá veio de algum lugar e por isso toda sorte de preconceito se torna não apenas inaceitável como ridícula.
Outro ponto a se considerar é o de que, nos últimos tempos, a situação tem se invertido e muito. Não assistimos apenas a migração de nordestinos para a região Sudeste, mas também de gaúchos para a região Centro-Oeste e Nordeste, que está, por sinal, industrialmente em franca ascensão, impulsionada pelo pujante potencial turístico, e de brasileiros de todas as partes do Brasil para a região Norte, tão carente de diversos tipos de profissionais, principalmente os da área da Saúde. Vão atrás de oportunidades e colaboram para o desenvolvimento daquela região. É uma via de mão dupla.
Faço minhas as palavras da líder nordestina Francis Bezerra sobre a infeliz frase da tal estudante de Direito. Sobre esse tipo de gente, Francis diz assim: “São pessoas que não pagam aluguel, não têm compromisso com água, luz, alimentação. Não sabem o que é fome, o que é morar na rua. Então, têm tempo para isso. Recebem uma boa mesada e não têm compromisso com o País. Essa geração não é nem coca-cola, nem paz e amor. É uma geração que sequer tem classificação. Uma geração que tem pai e mãe que dão tudo. Essa geração é pobre de espírito, de cultura, de tudo. O Brasil está muito mal preparado para o futuro".
Estes mesmos brasileiros que agem como se nada dissesse respeito a eles, não gostam de ser tratados com desdém em países desenvolvidos. Então por que odiar alguém que mora no mesmo país, simplesmente porque ele não nasceu na mesma cidade ou região?
Afirmam que levas de nordestinos desestabilizaram a infra-estrutura de grandes cidades como São Paulo, mas por que odiar os nordestinos e não os governantes, por não terem colocado em ação políticas públicas suficientes para evitar esse êxodo e, consequentemente, o ‘inchaço’ populacional dessas metrópoles?
Concluímos que o Brasil está do jeito que está e é do jeito que é não apenas por culpa dos políticos, mas por culpa de toda a cultura de seu povo, fragmentado em diversos grupos sociais, cada um com uma visão não de Brasil, não do todo, não do que é melhor para todos, mas do que é melhor para o seu grupo, para sua classe social, para sua profissão, para seu grupo religioso, para os que compartilham da mesma opção sexual. Formam-se, então, clubinhos, que acabam não tendo a força que deveriam ter justamente por seu egoísmo, porque estão fragmentados e enfraquecidos pela limitação de suas aspirações em torno de interesses pessoais. E obviamente que quem leva a melhor sempre é quem pode mais.
A lei está aí e punirá a todos que forem idiotas suficientes a ponto de externarem seu preconceito bobo em redes sociais. E isso não deixa de ser um ‘cala a boca’ bem contundente.
Mas para calar de vez a boca dos preconceituosos, que saibam que preconceito nenhum nunca vai apagar esse brilho trazido para todo o Brasil e repercutido para o mundo através dos nossos brilhantes nordestinos, sejam eles famosos ou não, sejam eles artistas ou trabalhadores braçais incansáveis, que com sua força construíram cidades inteiras, em todas as regiões do País. Afinal, o sertanejo, o nordestino, como já dizia Euclides da Cunha, “é antes de tudo um forte”.

Adriana Moura (jornalista, escritora e nordestina natural de João Pessoa, Paraíba, com muito orgulho)