Nasceu no hospital, aconchegado por bordados e pantufas
Morreu inconformado, engasgado por uma trufa
Nasceu ao léu, sem eira nem beira
Morreu desfigurado, surpreendido na trincheira
Nasceu de manhã, prematuro, de cesariana
Morreu à noite, deitado, na cama
Nasceu parido de cócoras, na beira do rio
Morreu afogado numa banheira de Beverly Hills
Nasceu dourado, amamentado por fadas
Morreu espancado, e os assassinos vestiam fardas
Nasceu defecado, no mato, um coitado
Morreu sentido, por todos amado
Nasceu indesejado e foi abandonado
Morreu diante da multidão, pela plateia ovacionado
Nasceu diante das câmeras, tecnológico à beça
Morreu dando banho no elefante que lhe sentou na cabeça
Nasceu demorado, sofrido temporão
Morreu num lampejo, de desastre de avião
Nasceu de parto normal, tranquilo e sem demora
Morreu depois de meses doente e sem querer ir embora
Nasceu amparado, sonhado, embalado
Morreu esbugalhado, sozinho, dopado
Nasceu no interior de uma caverna, no meio de um ritual
Morreu num palacete, ao som de um belo coral
Nasceu em meio a uma aventura, quando os pais escalavam os Andes
Morreu porque tropeçou e caiu, e já o haviam aconselhado “não andes”
Nasceu na lata do lixo, sem ninguém pra chamar de seu
Morreu enforcada pela echarpe Dior que enroscou no pneu
Nasceu em clima romântico, numa construção antiga de Roma
Morreu entubado, no ar condicionado, em coma
Nasceu quando a família preparava um barulhento churrasco
Morreu quando tentava arrancar uma flor de um penhasco
Nasceu forçado
Morreu matado
Nasceu chorando
Morreu de tanto rir
Nasceu em berço de ouro
Morreu devendo pra todo mundo
Nasceu já devendo
Morreu doando
Desiguais na vida
Desiguais na morte
Morte e vida
Vida ou morte
Nenhuma delas sentencia
De uma ponta ou da outra
A própria sorte
Mas o meio
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