quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Megan, o Carnaval e o álcool no Brasil



Todo mundo reclamando da crise, certo? Aqui, na Espanha e na Ilha de Java. Mas dinheirinho pra sua santa cervejinha de todo final de semana todo mundo tem. Pois bem, pois pasmem: enquanto a maioria chegou no final de 2012 com o dinheiro contado, as cervejarias do Brasil nunca lucraram tanto. Para eles, é como se a palavra ‘crise’ só existisse na vida dos paspalhos que no seu doce álcool vêm afogar suas mágoas. Somente na primeira década do século 21, para se ter uma ideia, apesar de crise econômica mundial, que já era gritante, nunca no Brasil se vendeu – e se BEBEU, naturalmente – tanta cerveja. A produção de cerveja no Brasil dobrou. Isso mesmo: DOBROU! Você aí que trabalha em qualquer ramo de vendas... está experimentando sucesso semelhante? Isso deixou todas as fabricantes de cerveja do mundo interessadíssimas em investir no Brasil. Bom, certo? Sim... venham para o país dos bebuns. Talvez em pouco tempo estaremos fazendo côro com os russos caindo de bêbados no asfalto gélido e fazendo papel de ridículos. Só que aqui se caírem no asfalto vão fritar.
Mas que chato este artigo, não? Que mal faz uma boa cervejinha? Bem... pergunte às numerosas famílias brasileiras destroçadas pelo álcool. Ah... mas é só uma cervejinha... Bem, certamente que ninguém começou a dormir na sarjeta da noite pro dia.
E os brasileiros, pelo que indicam as pesquisas, estão bebendo muito, estimulados pela maciça propaganda do álcool no Brasil, financiada pelas milionárias fabricantes. Estranho no Brasil só o álcool não ser droga ilícita. Será que tem a ver com esses milhões todos? Será? Será? Oh, meu Deus, acho que até o bebum da esquina saberia responder. Em muitos países, a propaganda de bebida é proibida, não se pode beber em locais públicos, pela propaganda negativa às crianças, e a venda de bebida é regulada, restrita a determinados locais e controlada por quem a vende no balcão! O motivo: pela lei, caso um acidente aconteça porque o motorista estava alcoolizado, o estabelecimento que o vendeu também responderá por isso.
O Brasil passou a ser o 3º maior produtor mundial de cerveja, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. E as pessoas aqui começam a beber cada vez mais cedo. Podem não ter dinheiro às vezes pra um jantar decente, mas pra sagrada cerveja sempre têm.
As indústrias de cerveja geram emprego e movimentam a economia? É evidente que sim, mas a que custo? Uma pesquisa no Brasil revelou que o álcool está presente em 75% das mortes no trânsito. Fora isso, mais de 30.000 crianças nascem com déficit ou distúrbio mental decorrentes da SAF (Síndrome Alcoólica Fetal, uso de álcool na gravidez). Milhares de leitos hospitalares clínicos e psiquiátricos, além dos do CTI e das Emergências, estão ocupados por pacientes com doenças decorrentes do álcool ou por vítimas de agressões e ferimentos causados por pessoas alcoolizadas. Famílias desestruturadas pelo álcool jogam crianças na rua diariamente. Crianças sem educação e sem amor que no futuro poderão roubar e até matar. Estima-se que os gastos gerais com os problemas relacionados com o uso, abuso e dependência do álcool podem chegar a mais de quatro vezes o orçamento do Ministério da Saúde, algo em torno de 7% do nosso PIB.
Mas que pataquada é esta que eu estou falando, não é mesmo? Quem está escrevendo isto é uma pobre jornalista que nem bebe cerveja, mesmo depois de ouvir tantas vezes na faculdade: “começa bebendo mesmo sem gostar que com o tempo você gosta”. Mesmo depois de ouvir incontáveis vezes que eu não sei me divertir.
Bem, gostaria de dizer que eu sei me divertir muito bem, sim, e lúcida, o que é muito melhor. Em segundo lugar, responda-me que outro produto você conseguiria vender com este argumento: “senhor cliente, comece a usar mesmo não gostando, que com o tempo o senhor gostará”. Não sei por que isso me lembra a palavra “vício”. Senão por que a minha primeira e consciente resposta não seria boa o suficiente?
Mas tudo bem, não está mais aqui quem falou. Vou parar por aqui. Ah? O que a Megan aí da foto tem a ver com tudo isso? Bem, é que este ano ela será a garota propaganda do Camarote da Brahma no Carnaval 2013. Receberá a bagatela de quase R$ 5 milhões por isso. Ano passado, encheram os bolsos da Jennifer Lopez e este ano quem encherá os bolsos será a bela Megan. JLo nem fez questão de fingir que estava se divertindo. O que se pode esperar da chatinha Megan? Nada. Só esperam que venha e pose, que é o que sabe fazer de melhor. Bom pra ela, né? Cujos bolsos já estão cheios faz tempo. E bom pras cervejarias também, que pelo jeito estão com os bolsos tão cheios que podem pagar cachê pra artistas desse calibre. E pra você? É bom? Antes de responder, pare e se pergunte se é possível alguém com uma conversa mole de bêbado se dar bem com alguma daquelas mulheres que eles mostram nas propagandas. Olhe bem pra foto da Megan, fazendo biquinho e mandando beijo: “Bye, babe, bye, bebum comigo não tem chance”.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Já não se fazem mais dias como os de antigamente?


“Já não se fazem mais dias como os de antigamente”. Naquele tempo é que era bom”. “Hoje em dia nada presta, já não há mais respeito, as pessoas não aguentam mais a violência, já não se respira mais poesia no ar”. “Os cantores não cantam e nada se cria, tudo se copia”. Assim como estas frases há tantas outras que nos mostram como a sociedade costuma ser muito mais complacente com os leões que já matou. Explico: se matamos um leão por dia, velamos nossos felinos de antigamente com uma dose de saudosismo muito maior.
Quando um novo ano começa, as pessoas tendem a ficar ainda mais saudosas, relembrando o que passou, refletindo sobre as oportunidades não aproveitadas, as pessoas ou coisas perdidas, para as quais talvez não tenham dado o devido valor. Guardam boas memórias para sempre em seus corações e, quanto mais o tempo passa, com mais saudade se lembram desses acontecimentos marcantes, como se no momento em que os viveram não as tivessem experimentado com a devida lucidez.
Admito: já não se fazem mais artesanias como as de antigamente. Entornamos uma sopa instantânea para enganar a fome antes sossegada nos molhos de ervas das avós, que ainda tinham o bálsamo de não ouvir funk. As mulheres eram mais girly, mais comportadinhas – será? Que responda Nelson Rodrigues – mas será que vivemos pior do que no passado? Parece que o tempo corria numa velocidade mais lenta, até os filmes de antigamente eram mais lentos. Quem consegue assistir o “Anjo Azul”, com as celebradas pernas de Marlene Dietrich, sem bocejar, só pra posar de intelectual?
E que me desculpem os saudosistas de plantão, mas “Aquarela do Brasil” não é nada do outro mundo. As letras de hoje em dia são ocas, mas “esse coqueiro que dá coco” é de uma originalidade incrível, é isso? Alguém já viu coqueiro dar manga?
E também não acho que as pessoas eram melhores no passado. As regras da sociedade talvez fossem mais rígidas, mas o que interessa não seria o coração? Nelsinho novamente que o diga.
Será que o nosso presente ou nosso passado recente é ou foi assim tão ruim? É preciso também aprender a contar os nossos ganhos, ainda que sejam poucos. E será que são tão poucos assim? Temos a tendência de nos acostumarmos com tudo de bom que nos rodeia. Assim, com o tempo, passamos a não perceber mais a existência deles, como o ar que respiramos. Trabalhamos, vamos às compras, à academia, sem pensar na existência do ar, mas venha alguém nos prender a respiração ou ainda passemos por uma situação de temporário afogamento, para ver o quão difícil é viver sem ar. E assim é com muitas coisas na nossa vida, para as quais não somos agradecidos o suficiente e essa postura revoltada e ingrata diante da vida nos engessa, prejudica o nosso avanço e o nosso viver. No caso dos empregados, impede que eles vejam os benefícios do local onde trabalham, passando a enxergar apenas os defeitos – e nada é perfeito – e assim parece que nada está bom. Se fossem mais gratos e dedicados só teriam a ganhar. Se tivessem mais benevolência para entender o colega, teriam menos intrigas no trabalho. Por parte da classe patronal, muitas vezes também falta o ver o lado positivo, as qualidades do empregado, que acaba desmotivado, pois parece que o chefe só vê nele defeitos e nada que ele faça é bom o suficiente. Por outro lado, muitas vezes falta o reconhecimento necessário, no estímulo ao bom funcionário, e aí, depois que este funcionário buscar por melhores locais de trabalho não se poderá chorar pelo leito derramado.
No contexto de sociedade também é possível tecer alguns parâmetros e deduzir que, sim, hoje vivemos muito melhor do que antigamente, em muitos aspectos. Precisamos pesquisar um assunto ou uma informação? Não precisamos necessariamente nos locomover até uma biblioteca ou a enciclopédias muitas vezes desatualizadas. Temos a internet para pesquisar facilmente. Muitos dirão: ah... mas a internet nem sempre é confiável. É correto. Mas você já parou pra pensar em quantas vezes a internet quebrou seu galho? Aproximou você de parentes e amigos antigos? Fez você conhecer pessoas novas e até um novo emprego?
Indo um pouco lá atrás, vivemos num mundo com comunicação muito mais estreita, onde praticamente todo mundo tem um telefone. E ao menos o mundo ocidental não vive mais sob os grilhões do passado. Ninguém é proibido de usar vermelho, porque esta é a cor permitida apenas para a realeza. Se um dente dói, não é preciso mais arrancá-lo sem anestesia. As mulheres podem trabalhar no que quiserem e votar. São as consumidoras mais influentes. Ninguém é degredado para uma ilha hostil porque roubou um pão, racistas denunciados podem ir parar na cadeia e pessoas com deficiência, apesar das muitas barreiras que precisam ser transpostas, têm muito mais acesso do que antigamente, quando alguém fadado a uma carreira brilhante poderia ser solenemente dispensado se repentinamente sofresse um acidente que o deixasse defeituoso.
E lindo assistir a um filme de época com princesas arrastando seus lindos vestidos, mas hoje temos fio dental (nas praias e na pia), pílula anticoncepcional, ar condicionado, papel higiênico, controle remoto, carros mais possantes, que exigem de nós mais responsabilidade, é certo. Sim, temos mais fast food, mas a comida da vovó ainda está lá se a gente quiser. Temos muitos desafios pela frente, como os teremos agora em 2013, mas temos também tantas possibilidades e tanta liberdade para fazermos nossas escolhas. Que as façamos com sensatez, ética e sinceridade de coração.

João Cabral, os poetas e os exibicionistas


O dia 9 de janeiro foi aniversário de um dos mais importantes escritores brasileiros: João Cabral de Melo Neto. Mas poucos se lembraram. O livro seu que mais me marcou foi “Morte e Vida Severina”, que fala das agruras do nordeste, a seca e seus problemas até hoje não solucionados. E a canção entoada em tantas montagens teatrais até hoje ecoando em minha mente, como o retrato da cruel desigualdade brasileira. Para os que desejavam ser e ter alguma coisa que fosse, restava apenas a morte e pás de terra sobre seus corpos gélidos. “É a parte que te cabe deste latifúndio, é a terra que querias bem dividida”.
Somos uma civilização de massas, eletrônica e consumista e tudo isso mudou muito a maneira do escritor e do poeta se situar no Brasil.
Li – e concordo – que já não temos poetas populares como foi Drummond, cuja estátua hoje se senta insólita diante da praia de Copacabana – vítima até de depredações – como uma lembrança de longe, muito longe.
Os poetas de hoje são anônimos, mas certas coisas só a poesia pode trazer e isso a torna eterna, porque é necessária, porque um mundo sem poesia é trágico e sórdido. Porque precisamos de mais poesias, tanto quanto precisamos de médicos e engenheiros. Porque somos seres humanos e não apenas animais que comem, dançam, brincam e só sabem falar de si mesmos. E sobre isto, João Cabral dizia: “Ninguém é tão interessante para falar de si mesmo o tempo todo”.