terça-feira, 16 de outubro de 2012

Vistam a Maja


Socorro! Laser, ultrassom, mesoterapia, cremes e pílulas anticelulite, drenagem linfática, vinagre balsâmico, equipamentos de academia de última geração, bisturis, botox, pedras e mantras... Inventem uma máquina do tempo também. Quero voltar para a Renascença!
Quantos defeitos nossos internautas vorazes veriam no nu de Afrodite, nascendo toda serelepe das brumas do oceano. Deprimida em sua barriguinha de verme, se entocaria para sempre na ostra da qual saiu ou se afogaria de uma vez nas águas do Egeo.
E a Monalisa, com sua cara redonda demais para as semanas de moda, receberia toneladas de maquiagem corretiva. Depois a confinariam num calabouço sem comida por pelo menos sete dias, a ver se aquele duplo queixo sumia de vez. Problema maior seriam as saboneteiras. Onde estão as saboneteiras de Monalisa? Silicone, sim, mas aquele colo fofo de matrona jamais se enquadraria no padrão de beleza atual.
Acho que não preciso citar Botero aqui. Prosssigamos. O que eram aqueles culotes da Vênis de Alexandre Cabanel? E olha que ele teve séculos para apurar sua estética, já que entre a sua Vênus e a Monalisa de Da Vinci passaram-se séculos.
E que dizer da Bathseba de Rembrandt? Bela aos olhos do pintor holandês e talvez até para o próprio Rei Davi, mas hoje o que diriam os críticos de plantão? Na certa receitariam 500 abdominais diárias.
Em períodos mais surrealistas, Salvador Dali expôs as costas flácidas e os peitos pequenos de sua Gala, com a veneração digna dos apaixonados.
Mas voltemos à Renascença, a minha favorita era das musas deliciosamente confortáveis em seus corpos brancos e roliços, com seios como os fez a natureza, quadris largos como a maioria das mortais, coxas de parideira e ventre de quem come para viver.
E aí então, de uma vez por todas – dirão, eu sei – vistam a Maja! Não tem espelhos em casa essa desavergonhada? Com que audácia se despe esparramada numa cama, ostentando tantas carnes, tantas mais do que se pode admitir nos tamanhos da indústria convencional, tantas curvas perigosas demais para que não sejam rasgadas pelo tom repressivo dos acadêmicos da estética moderna.
Vistam Maja, já agora. Ela que se recolha ao seu lugar de bom senso, que fique no passado, com cheiro de tinta molhada e longe das vistas hedonistas de todos os que desejam transformar mulheres vivas em personagens de cartoon. Enfiem-lhe uma burca até, se for preciso, para que não tenhamos de vê-la daquela forma, com tamanho orgulho de si mesma. Para que não tenhamos que espalhar por aí que ela posou deitada para esticar a banha.
Não há pecado maior no século 21 do que não ter a aparência dos que podem pagar pelos caríssimos procedimentos estéticos. Não há prevaricação mais grave do que não ser perfeita esteticamente e não ter o poder nas mãos. O resto, o interior, fica para a nossa imaginação ou para a criatividade de infames tablóides.
Afinal, de que interessa ser bom e ser fotografado em projetos para a salvação da humanidade, se não for para fazê-lo ostentando um modelito original?
Os pintores e escultores pintaram e esculpiram a tez e o vigor de veias, músculos e carnes humanos porque não podiam retratar suas almas, mas buscaram retratar sua forma de vida livre e o mais profundo que chegaram deu em sorrisos enigmáticos e olhares profundos, as janelas da alma.
Quanto ao corpo, já que a Maja não serve para ser consumida nas páginas da Playboy, hoje certamente a vestiriam e, de lambuja, lhe comprariam uma esteira. Se faltasse verba e sobrasse preguiça, um photoshop serviria.