quarta-feira, 5 de novembro de 2014

A rosa de plástico

Uma rosa é o suficiente. Brota, cresce linda e morre num curto espaço de tempo, dando-nos a noção exata, mas em forma resumida, de nossa passagem pelo mundo. Antes de cumprir sua missão, porém, pode fazer alguém feliz.
Costumava receber rosas de amor, com os dizeres: "da cor dos teus cabelos, só não mais belas que você".
Tem muitas coisas que a ciência não faz e duas delas: fazer uma rosa igual aquela e explicar por que, para os amantes, somos sempre as mais belas. Que ciência explica tão profundo amor?
Mas as flores de plástico não morrem. Era o que eu ouvia no carro com ele, a caminho de uma praia deserta qualquer. Seria Caraíva? Seria Itaúnas? Um lugar onde certamente o tempo perdera o valor, ainda que sobre eles ainda pesasse a sua mão, como um sol de dezembro.
Num 2 de novembro, porém, caminho por entre corpos de pessoas que já se foram, com uma única rosa vermelha. De plástico. Eu a odeio não mais que o destino, mas ela é o melhor que ainda posso fazer. Feia, mas mais resistente, como os que por ali tentam se afagar nos braços de amados, em frente às lápides do que já se foram.
Caminho por entre as lápides como entre velhos, novos, futuros conhecidos.
No túmulo de meu pai, ainda não consigo acreditar.
No do Xuxa eu me sento, agarro a grama, fecho os olhos e digo a mesma frase dita quase 10 anos atrás, na UTI de um hospital: "Eu estou aqui. Te amo pra sempre". E coloquei a rosa no meio de outras flores que lá havia.
Dessa vez, não verti uma lágrima. Na verdade, me senti como em casa, em família e em paz, perante o único futuro certo do qual não fujo nem temo. Tento viver como quem está prestes a morrer, afastando das ilusões dos tolos. Só morre bem quem viveu bem. Só vive bem quem está preparado para a morte.
Me preparava para deixar o local quando ao longe vejo um amigo aos prantos enterrando a mãe. Eu o abraço e sussurro no seu ouvido: "Tudo passa, só o amor que não. E ninguém morre pra sempre. A gente ainda vai se encontrar".
"Aquele que crê em mim ainda que morra viverá". (Jesus Cristo, melhor amigo do Xuxa)

domingo, 10 de agosto de 2014

Sem respostas

O tempo passa, as fotos amarelam, a poeira se acumula e a história se repete, com alguns intermitentes aprendizados aqui e ali. Garoa de sabedoria que não é suficiente para encharcar mananciais de expectativas e anseios que não podemos jamais saciar, tocar ou mesmo entender. O mais difícil de tudo não é dizer adeus. É não saber. O que mais dói é esta prisão sob a forma de liberdade ilusória. Porque ninguém é dono de nada e nem de si mesmo. A gente só é dono da nossa consciência, dos pensamentos e sentimentos que compõem o nosso eu. Desses somos tão donos que somos até capazes de emprestar e neles passeiam uma série de outras pessoas. Fragmentos de um tempo da delicadeza, como na canção de Buarque. Notas de um perfume onírico. E dizem que a vida é pra ser vivida. E nisso não há novidade. Não há também escolha qualquer. Que a vida não é só isso. E não é. Mas vivem como se fosse. Só isso. Vive mais, às vezes, quem não vive como eles. Quem vive distante, nas estrelas, fazendo salivar meus desejos de transcendência e plenitude. E não dizem que os que se foram estão melhores que nós? Mas vivem como se não fosse assim. Falam do que não sabem, do que não acreditam. Bom seria se os que não soubessem se calassem. Eu sei do que senti muito mais do que sei do que vi, o que não faz de mim testemunha em potencial nem torna menos verdadeiro tudo que sei. E o que eu sei é que ser livre é não ter medo de nada, nem da morte. Principalmente da morte. A vida - esta, não a outra - é que mete medo. A vida com prazos de validade. Nada pode ser completo assim. Os que se foram - esses sim - têm as respostas. Vivo com minha mente cheia de perguntas e com meu coração cheio das pessoas que têm as respostas.

terça-feira, 24 de junho de 2014

Esqueça seu passado?


"Esqueça o passado, viva o presente". Esta é a máxima predileta dos que dão conselhos mal vendidos e pendurados nos bancos de dados da inadimplência rotineira. Que me desculpem os entusiastas do 'comamos e bebamos que amanhã morreremos', mas quem quer viver esquecendo o passado não acende nenhuma lâmpada, não faz nem ligação de telefone fixo (que dirá de celular) e vai ao banheiro com uma caixinha de sabugos. Que ninguém se engane. Se houvesse uma guerra nuclear e sobrassem na Terra meia dúzia de funkeiros voltaríamos para a idade da pedra. Então? Disposto a viver no presente? Somos retalhos dos outros, até de quem não conhecemos, até dos que não nos são conterrâneos e muito menos contemporâneos. Quem pensa que a vida é feita apenas de presente, se esquece que um dia o presente também será passado e que no fim de tudo presente, passado e futuro vão se fundir numa coisa só: a sua vida. Seu passado produz pegadas. Alguém pode se encantar passando por elas um dia. Ou não. Isso dependerá de como são suas pegadas. São delicados passos na areia fofa que a onda do mar apaga ou são traços firmes escavados numa rocha açoitada pelo vento? Quem se esquece de seu passado vive numa espécie de transe psicopata ou superficialidade doentia. Doença esta que varrerá para sempre da face da terra a insignificante existência de quem nunca foi sangrado pela dor. As suas pegadas, no futuro, guiarão outros até o que você sempre foi e nunca deixou de ser. O futuro não existe e o presente já é passado, numa fração de segundos. O seu presente é o seu passado. O seu futuro é o seu passado. Você de verdade é o seu passado.

domingo, 22 de junho de 2014

Amor à distância


Hoje eu comprovei porque tenho tanto saudosismo quando passo em frente ao Cine República e vejo aquele prédio carcomido pelo tempo. Quantos bons momentos eu passei ali com o Xuxa... No final dos anos 90, as pessoas tinham muito mais o hábito de ir ao cinema e quando era um blockbuster então... era aquela fila enorme! A maior foi a do Titanic. Teve gente que preferiu sentar no chão do corredor só pra ter a chance de assistir. Voltei pra casa revoltada porque não consegui me concentrar no filme. Quem tinha ficado em pé jogava água em quem estava sentado, pra ver se a gente saía e deixava o lugar pra eles. Alguns jogavam algo pior que água e foi o que nos atingiu naquele noite. Enquanto a Rose tremia de frio no Atlântico Norte eu não via a hora de tomar um banho pra tirar aquele cheiro de xixi. O mais interessante (só hoje eu vejo) é que a despeito dessa ignorância alheia não teve uma briga. Hoje no shopping tinha uma fila enorme pra assistir provavelmente a porcaria de um filme dublado, que hoje aqui parece que os jovens já não estão querendo nem ler em português. Sentei um pouco com as compras num banco pra descansar. Estava próxima àquela aglomeração de pessoas e de repente começa uma briga e eu nem sei dizer por quê. Um bando de moleques que nem saiu das fraldas se achando membros da Yakuza. E aí lá vem o segurança mirrado de terno preto com aquela cara de preocupado atrasado. Não sei se atrasou pra chegar com medo de apanhar. Lá fora as motos dos policiais iam parando. Alguém chamou pra apartar o vuco-vuco. E eu doida pra chegar em casa com meus suprimentos pro isolamento dos meus lençóis. E depois me perguntam por que sou anti-social. Eu não sou. Simplesmente porque 'isso' que está aí não é sociedade. É uma multidão de indivíduos da qual eu não quero fazer parte. Não tenho raiva das pessoas. Só tenho é pena e invejo os bons, que vão reinar com pouco, pois não será preciso muito pra ser melhor que 'isso' aí. Eu só não tenho a menor vontade mais de conhecer gente que não conheço. Mas tenho muito amor no coração. O meu amor à distância é maravilhoso.

sábado, 11 de janeiro de 2014

Um mundo de loucos e psychos

O mundo deve estar realmente amaldiçoado. Quem quer que seja normal não pode mais ser normal. Não há meio termo pra deixar esta vida te levar, como numa letra de samba caquético. Fique louco ou vire um psicopata. O que você prefere? Mas não espere compreensão e suavidade deste mundo, porque quem ama será machucado e o problema é: não raramente. Existe uma nuvem de escuridão nos circundando e quem sente muito amor é só mais um frágil pedaço de carne, pronto pra ser esmagado como uma barata. Não importa o quão grande você seja por dentro, você não é nada pra eles, porque eles não são nada e querem, por isso, te reduzir a nada e querem que você não tenha nada, mas eles não podem ter o que você tem se você for forte o suficiente pra se manter do lado certo, mesmo que às vezes você sinta que tudo que você quer é vencer toda essa merda com um misto de polidez e loucura, numa espécie de sopa catártica. Prefiro ser isso que não sentir nada. Chamem-me louca, mas nunca estúpida. Chamem-me boba, mas nunca pensem que eu não estou sabendo o que eles estão fazendo. Eu simplesmente largo mão e vivo do jeito que eu consigo. Até quando? Não posso responder, porque todo mundo tem limites, mas eu não vou perder meus sentimentos e meu senso de justiça, mesmo que seja confinada num manicômio. Antes viver num mundo imaginário. Um em outro qualquer. Prefiro isso de certeza que dividir minha mesa com gente podre, suja, com manadas de chacais fantasiados de gente normal. Eles estão simplesmente indo pro inferno e nem se apercebem disso. Aprecie sua taça de champanhe enquanto pode, porque seu tempo vai acabar. E não vai ser bonito. E eu não estarei lá pra segurar sua mão. Deixe este mundo com tudo que você tanto buscou a vida inteira, se for capaz, porque eu sei o que daqui levarei. Mas eu não serei nem plateia pro seu miserável grand finale. A louca que tanto amou vai gargalhar no final.