sexta-feira, 3 de fevereiro de 2012

Glória e poder são maravilhosos, mas não é a vida o bastante?


No Mar Mediterrâneo, um barco à deriva. Nele refugiam-se um general Marco Antônio combalido pela batalha, acompanhado de seu fiel centurião. A cena é uma de minhas favoritas do seriado Roma. De tão realista – salvo as licenças poéticas – a sociedade que mostrou só não foi mais violenta do que cínica. Tal fenômeno social parece familiar?
Não é nada animador constatar a onipresença, ao longo dos séculos, daquele tipo de brutalidade que é soberana ante todas as outras: a indiferença cortante que me permite cravar os dentes numa suculenta maçã enquanto contemplo os pratos vazios de milhares, alçados ao céu, daqueles a quem a fome dilacerante consumiu com seus enzimas vorazes toda a vergonha que restava.
É do personagem do seriado, portanto – e pouco provavelmente do real personagem histórico – a célebre frase do título deste artigo, mas gosto de imaginar que talvez ele tenha dito algo semelhante, enquanto saboreava o gosto amargo da derrota. Pede um gole d’água do alforje do soldado. E a água ainda tinha um gosto bom – nota o amante de Cleópatra, sem qualquer banzo dos finos manjares. Logo após, a triste constatação: “Glória e poder são maravilhosos, mas não é a vida o bastante?”.
Os poderosos do Império Romano sabiam que poder e glória coroam os que dominam com estratégias calcadas em ambição, frieza e mentiras. Mas esta coroa de glória não traz consigo a felicidade e, por também não vir com o bônus da eternidade, termina sempre fatalmente consumida pelo orgulho insaciável de seus coroados. Assim foi com Marco Antônio, Cleópatra, Brutus, Júlio César e tantos outros. Uns tiveram um final trágico prematuro, outros um desfecho glorioso que perdurou por mais tempo, mas, ao final de tudo, não era a vida – e apenas ela, com tudo o que significa em sua essência – o bastante?
Mais sábio foi o Rei Salomão, que antes de morrer deu o seu veredicto: "Atentei para todas as obras que se fazem debaixo do sol, e eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento. Apliquei o coração a saber o que é loucura e o que estultícia; e vim a saber que também isto é correr atrás do vento, porque na muita sabedoria há muito cansaço e quem aumenta ciência aumenta tristeza".
Aproximamo-nos de um dos períodos de mais intenso culto às efemérides e vaidades. Os defensores da prática dirão que é o enaltecimento da cultura genuinamente brasileira, que entroniza, como em nenhum outro feito, a igualdade entre pobres e ricos. Eu, a despeito da inegável beleza e pompa dos desfiles, devo dizer que o Carnaval não cumpre bem nem a primeira nem a última função citada.
A glória e a vaidade embutidas no Carnaval, pagas a preço de ouro com o dinheiro dos nossos impostos, é experimentada por uma pequena parcela de privilegiados, os que verdadeiramente lucram com a festa, incluindo, nos últimos tempos, até quadris gringos a substituir as mulatas, estas trocadas ainda por esquálidas mulheres ricas, que pagam pelo lugar de destaque.
Enquanto isso, o povo, em vez de se revoltar com as notícias de corrupção do legislativo e judiciário, têm a visão inebriada pelo brilho da festa, como na política do panis et circenses (pão e circo) empreendida pelos romanos.
Recentemente, no Brasil, foram longe demais ao subestimar o povo. O programa de péssimo gosto “Mulheres Ricas”, de tão cínico, ofendeu. Para criticar, costumo assistir ao menos a um episódio, mas confesso que deste não cheguei a ver nenhum. Não sucumbi aos apelos de qualquer forma de nenhuma das “personagens” apresentadas, com seus lábios de Pato Donald e bochechas de travesseiro entupidas de botox. A mim bastou ler nas notícias o impacto de algumas de suas pérolas de vaidade, desferidas com total indiferença. Não seria isso uma nova forma de maldade? Uma espada que não esquadrinha as tripas de ninguém, mas embrulha o estômago de todo mundo.  
Sinto muito, darlings, mas no final não vai sobrar botox sobre botox. É triste e solitário chegar ao fim da vida e perceber que se perseguiu o tempo todo o que era superficial. Como já dizia Madre Teresa de Calcutá, a falta de amor é a maior de todas as pobrezas. E o amor, tão qual a vida, é mais do que suficiente. O resto é acessório. Emplumado, emperiquitado e maquiado.

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