terça-feira, 10 de abril de 2012

Viciados em celular

As paranoias já podem ser encontradas numa variedade tão grande quanto os produtos de uma loja de departamentos. Uma delas é a nomofobia – do inglês no mobile phobia (fobia de ficar sem celular). São pessoas que, ao perderem seus celulares ou ficarem momentaneamente impedidas de conectarem seus smartphones, sentem-se como aquele soldado com a perna gangrenada ao ouvir do médico: “Vamos ter que amputar, filho”.
Elas têm que estar conectadas religiosamente todos os dias a todo o momento, ou é ataque de ansiedade na certa. Para entender o ridículo da situação, seria mais ou menos assim: Ulisses, ao invés de chegar da Guerra de Troia e encontrar sua Penelope pura e casta, tricotando e desmanchando, tricotando e desmanchando, teria recebido um SMS dizendo “Pepé ta saindo com o Cláudio”. Ou ainda contemplaria petrificado as fotos do flagra tiradas com um celular e postadas numa rede social. Para se vingar, ele enviaria para toda a sua lista de contatos fotos comprometedoras da grega safada.
Difícil para o nomofóbico analisar a real dimensão da importância que ele dá a cada postagem ou checagem, e separar o que é produtivo do que é distração ou narcisismo.
Complicado conversar olhando no olho do nomofóbico, cujo celular é mais ativo do que um coelho na puberdade. Arriscar uma conversa não virtual com o nomofóbico é se sentir numa churrascaria de rodízio, onde não conseguimos concluir um raciocínio sem sermos cortados pelo tilintar de espetos de cupim, picanha no alho e lingüiça cuiabana.
Numa de minhas férias loucas, mal programadas e inesquecíveis, procurávamos o caminho para Trancoso, a partir de Caraíva, sem ter que pegar a rodovia, aventurando-se nas estradinhas de terra que ligam – ou ligavam, já não sei como aquilo está – um vilarejo de praia a outro. Aquilo era quase um universo paralelo dos contos de Tolkien, onde no lugar de elfos pululavam seres inexplicáveis de cabelos enormes em forma de microfone. Ninguém tinha nem relógio. Para saber a hora, tinha que olhar pra cima e ver a posição do sol.
Sem saber se teríamos sucesso na empreitada – dizia a lenda vigente que as chuvas dos últimos dias haviam destruído algumas pontes que ligavam as vilas – entramos no Uninho com fé, já que a fé, por aquelas bandas, não costuma ‘faiá’. As tais pontes eram pedaços assimétricos de madeira, preparados para receber mulas de quatro patas e outras mulas que insistiam em testar sua resistência em um veículo de quatro rodas.
No caminho, avistamos um menino franzino de pés descalços e bermudas desbotadas. Perdidos, paramos para pedir ajuda. Como um Yoda do Agreste, ele nos informa do preço a ser pago pela preciosa informação. Apelamos: “Dá um desconto pra gente... Olha o nosso carro!”. Movido da compaixão que só os pobres têm, o garoto releva: “Tá bom, tio, me dá cincão que eu te levo lá”. E no final ele fez muito mais que ensinar um caminho: contou histórias, nos divertiu, demos risadas, fizemos um amiguinho, tiramos fotos. Ficamos sabendo que sua mãe é lavadeira, que ele queria estudar e tinha planos. E também que aquele pedaço da praia, logo depois do coqueiro debruçado, fica lindo quando a maré baixa, deixando o mar da cor verde água dos olhos de Diadorim.
Fosse eu nomofóbica naquele ano 2000 da Miss Brasil de Rita Lee, não baixaria os vidros do meu carro para pedir informação. Consultaria o GPS do meu smartphone. E o garoto sorridente , queimado de sol, jamais figuraria em nossas fotos, nem o que aprendemos com a história de vida de alguém tão novo e que se vira tão bem usando apenas a vibração de suas cordas vocais.
Sejamos honestos, aparelhos de última geração não me dariam sequer a chance de me perder. Consultaríamos, antes de sair de casa, a previsão do tempo e as condições das estradas: chuvas torrenciais em todo o território nacional nos próximos dias, com trechos interditados. Por um desses mistérios da meteorologia, fomos abençoados por uma janela de sol baiano, em meio à chuvarada que nos pegou pelas beiradas. Se tivéssemos sido espertos como nossos telefones de hoje em dia, estaríamos a salvo, dentro de nossas casas, acessando a internet, postando vídeos e respondendo a comentários, explicando a centenas de internautas porque não fomos, sendo que 90% deles estariam se lixando pra isso, porque eles estariam postando comentários divertidíssimos sobre a Maísa que ainda não voltou de Bagdá. Não teríamos sentido o prazer de se perder em ruas de terra cercadas por amendoeiras e descobrir ali adiante um berçário de caranguejos. E pensar que foi se perdendo que um dia se chegou neste país.

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