terça-feira, 6 de setembro de 2011

Crianças grandes

Ser criança é perdoar fácil. É brigar num segundo e no minuto seguinte passar o dedinho e ficar ‘de bem’. Ser criança é não pensar no futuro, só no passado. É viver perguntando: ‘de onde eu vim, mãe? – ou nem perguntar mais, só “googar” e pronto. Ser criança é se irritar com a pergunta insistente dos adultos sobre o que se quer ser quanto crescer. Mas crescer parece um sonho tão distante. O discurso da professora de que estudar é bom pra ter um futuro não é argumento suficiente pra tornar os estudos deliciosos porque criança não tem muita noção de futuro. Se pega um dinheiro na mão, raramente vai pensar primeiro em guardar no cofrinho. Vai correndo no mercado comprar chocolate.
Enquanto se é criança, essa impulsividade é até bonitinha. O problema é que, com raras exceções, nós brasileiros estamos vivendo num mundo de adultos infantilóides, principalmente no que tange à educação financeira. Parte da culpa é dos pais, que não educam seus filhos. Vivem encalacrados em dívidas, justamente porque seus pais também não os ensinaram. É um ciclo vicioso. Parte considerável da culpa é do governo, que nunca pensou no futuro.
Lemos nas notícias que o Brasil perdeu o equivalente a uma Bolívia só com desvio de dinheiro. As tarifas dos serviços essenciais à população são aumentadas, mas não se investe em infra-estrutura e lá vem apagão. Promove-se a gastança para fins eleitorais, com projetos populistas, e não reformas estruturais, e lá vai mais dinheiro para entupir o gargalo das contas públicas no futuro. Não vemos o povo muito preocupado com tudo isso, assim como não estão tão preocupados se terão como pagar as dívidas contraídas hoje.
Quem não se lembra dos anos 80, chamada década perdida? Lembro até do som das maquininhas famigeradas, a cada dia mudando o preço dos produtos. Ninguém sabia o que ia encontrar no supermercado no dia seguinte. A política econômica tumultuada a que os brasileiros estiveram sujeitos não os estimulou a pensar no futuro. Sobreviver àquele dia mal já era suficiente para erguer as mãos para o céu. E parte dessa mentalidade perdura até hoje. “O futuro a Deus pertence. Deus sabe o que faz. Deus escreve certo por linhas tortas”. Não. Deus não escreve em linha torta. O brasileiro é que sempre gosta de jogar para o andar de cima as responsabilidades que são dele. Seu individualismo só não é maior que sua vaidade e disso sabem as agências bancárias. Que ‘chic’ é ter um cartão na mão!
Reportagem do Globo Repórter mostrou que no Brasil já se formam as primeiras escolas de educação financeira, para brasileiros que, mesmo sendo pessoas de bem, se vêem mergulhados em dívidas simplesmente por deficiências no ensino tanto escolar quanto familiar. Perguntados sobre o pagamento da fatura mínima do cartão de crédito, se eles sabiam que no mês seguinte seriam incididos 10% sobre a quantia não paga no mês anterior, os cidadãos faziam aquela cara de pano de chão. “Ah... é? Não sei, não... aí tem que calcular, né? Os números... a gente não entende disso, não”. Aham... sim, tem que calcular. Não adianta fugir da escola. Não se pode deixar de ler só porque é chato. A mesma curiosidade que se tem pra comprar tem que existir pra aprender. Não gostou de um livro? Procure outro. Outro dia vimos nos jornais um exemplo de uma cidadã catanduvense de origem humilde que é recordista em livros emprestados na Biblioteca Municipal. Pois bem. Se um livro não te agradou, tente outro, e mais outro. Há livros e livros, assim como há filmes e filmes, mas a tela nos dá tudo mastigado e o livro nos instiga a imaginação, nos leva a pensar. Não foi isso que nos ensinaram tão sabiamente nossas professoras de primário cheirando a lavanda? A maioria delas hoje talvez não saiba ligar um computador, mas garanto que não fazem feio numa boa conversa e não passam vexame quando têm que redigir um texto.
Não precisa estudar pra ser o físico ganhador do Nobel, mas é preciso ter a mínima noção do que é percentagem, do que incide no seu orçamento, do que são juros. Ainda que você odeie matemática, como esta pobre jornalista que escreve este artigo, é preciso sim saber entender este mínimo mundinho matemático do qual todos dependemos e ajudamos a construir. Afinal, do calendário às notas musicais, passando pelo movimento e forma das nuvens no céu, tudo é matemática. Até as proporções do rosto de uma pessoa, aos teus olhos, considerada bela.
Talvez isso falte ao dia a dia escolar e familiar do brasileiro: tornar o ensino da língua e da matemática algo mais próximo da nossa realidade. Algo que não se confunde na lousa em equações x, y, z sem sentido, mas que façam parte do nosso cotidiano, como, por exemplo, quanto se gasta para comprar determinado produto nas diferentes formas de pagamento. Algo que não reduza a rica língua portuguesa a um amontoado de regras gramaticais chatíssimas até pra quem ama ciências humanas, mas que nos apresente a um mundo fantástico de palavras que nos emocionam, nos informam, aguçam nossa curiosidade, deixam-nos indignados, porque fazem parte da nossa vida, do que somos, porque nos ajuda a descobrir quem somos e o que podemos ser, porque nos leva a interpretar textos e, consequentemente, realidades.
Mas será que os professores sabem disso? Sabem o que são e o que podem ser? Duvido. São explorados, tratados como pano de chão pior que a cara de seus alunos no futuro. Estes vivem enredados em cantos da sereia do nosso mercado financeiro, gostam de fingir que são ricos, como Peter Pan numa Terra do Nunca, onde o futuro, aquele dia em que eu tenho que pagar, ou aquele dia em que não terei mais a mobilidade e saúde de sempre, nunca chegará. ‘E não terei de me preocupar com atendimento médico de qualidade, com aposentadoria, com o estudo dos meus filhos’...
E a história se repete no Brasil, um gigante adormecido, uma imensa Terra do Nunca, cheia de adultos que nunca crescem. Um país da promessa, onde esse dia, o futuro, nunca chega.

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