terça-feira, 20 de setembro de 2011

As fofoqueiras sobreviveram


Se a inveja é uma merda, a fofoca é uma disenteria. Epidemia que, diferentemente da peste negra ou do sarampo, nunca foi controlada. Está sempre na ponta da língua de todos que têm uma para chamar de sua.
Já dizem que falaria bem melhor o mudo se sua atitude manifesta o que acredita. E ao menos não apurrinha ninguém. Mas fofoca só apurrinha se for o nosso nome que estiver fritando por aí.
E tem sido assim desde os tempos em que a serpente espalhou a primeira fofoca: “Ouvi dizer que Deus não quer que vocês comam do fruto desta árvore porque não quer concorrência”.
De Cleópatra, falaram horrores em Roma. Pois foram espalhar que ela, a deusa do Nilo, num arroubo de ostentação e orgias, triturou pérolas negras dos mares do sul numa taça de vinho e as bebeu. Dizem que era apenas um anti-ácido. De boca em boca chegou-se a Roma a fama de uma devoradora de homens, devassa, que não sabe se maquiar. Delineador preto carregado, como uma moura de além mar que nas terras brasis viriam séculos depois fugir da sina messalina numa terra de homens, onde ninguém fofoca porque a necessidade não deixa.
Não há fofoca que resista a uma grande tragédia. A fofoca se alimenta da mediocridade, mas não subsiste diante da calamidade.
A fofoca também conduziu os caminhos da independência do Brasil. O pai chama o filho num canto: “Andam dizendo por aí que vão proclamar a independência. Vai tu e proclama primeiro, antes que um aventureiro o faça”.
E assim, de fofoca em fofoca, germinamos. De um disse-me-disse insano florescemos, cultuando a futrica como nosso mais magistral esporte nacional. Coroando e depondo líderes com base na fofoca. “Dizem que comem criancinhas”. “Falam que tem uma amante”. “Afirmam de pés juntos que é ateu. Sequer um dia pisou numa Igreja, vê só”.
As fofoqueiras de Camille Claudel sobreviveram. Permaneceram incólumes às cheias do rio Sena e aos ataques de fúria de sua criadora.
Fofoqueiras sanguessugas. Vampiras vorazes que sobrevivem da energia alheia. Não pousam seu olhar sobre o horizonte. Curvam-se feito hienas em direção a sua carniça verborrágica. Em realidade, estão nuas e miseráveis, com seus traseiros gordos reluzindo como escudos e rostos obscurecidos pelo anonimato. E assim permanecerão, sem jamais serem desvendadas ou despertar a curiosidade dos outros. Seus olhares não hipnotizam, atraem pelo veneno que destilam, exalando um cheiro doce de néctar. São incapazes de um mergulho regenerador dentro de si mesmas.
Assim, elas resistiram até ao “sacrifício humano” empreendido por uma frágil e despedaçada Camille, quando estraçalhava os pedaços palpáveis de seus muitos fantasmas. Não podia suportar o próprio espelho esculpido em bronze, lembrando-a constantemente de que apesar de chama acesa fora reduzida às sombras. Precisava fugir de si mesma. Não suportava sequer falar de si própria. Não desejava apenas vender obras, mas aceitação. Não conseguiu. Nem da sociedade, nem dos pais, nem do próprio irmão a quem tanto inspirou. Por amor, aceitou ser esculpida e moldada, reduzida a musa, se doando, vulnerável, oferecendo o próprio pescoço, dissolvendo em meio à espuma de um mar de promessas não cumpridas e de expectativas desfeitas, no seu próprio sacrifício, até se imortalizar no singular.
As fofoqueiras subsistiram, coitadas, com seus traseiros anônimos, para sempre no plural, alimentadas por novas futricas. Quem as têm para se proteger do flagelo de si mesmo não precisa de roupas.

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