quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Dos clientes de Roma aos clientes de hoje

            As palavras perdem significado e força. Desde que passamos a sentir um arrepio quando ouvimos aquela voz de alegria plastificada, num exaustivo fim de tarde regado a telemarketing, começamos a desacreditá-las. Ou quando uma carta de uma nova loja se dirige a você como um velho amigo de infância.
Palavras prevaricam no leito da promiscuidade verborrágica, quando expressam carinhos que não existem e sentimentos que se dissolvem. Palavras se transformam em desavergonhadas messalinas. Escravas ao bel prazer do diálogo dos homens, nem sempre o das academias de letras, podem estar sob o jugo das lavadeiras, as mesmas que fervilhavam feito vermes nos cortiços dos romances realistas. A língua é uma hippie dispersa, uma cortesã perversa. Muda como o vento e as correntes marítimas.
            A palavra anedota é um exemplo. Hoje seria o mesmo que uma piada, mas originalmente servia para designar algo inédito. A palavra ‘assassino’ vem do árabe haxaxi. Na época das Cruzadas, os chamados hachachis consumiam hashish antes de investirem sangrentos ataques contra os cristãos.
E o cliente, de onde vem? Fontes nos levam ao latim ‘cliens’, que por sua vez nasceu do “cluens”, do verbo “cluere”, que significa “ouvir, atender, obedecer”. Durante a República Romana, ricos falidos se colocavam sob a proteção de um poderoso. Quando este saía à rua, era cercado por um bando de ‘clientes’, que muitas vezes estavam apenas atrás de um pouco de comida. O ‘cliente’ não passava de um plebeu sob a proteção de um nobre. Um legítimo “puxa-saco”. Com o tempo, o sentido da palavra foi mudando. Primeiramente, para “aquele por quem um advogado age”. Tempos depois, para “aquele para quem um serviço é prestado”, para finalmente se tornar o que é hoje: a razão da existência de qualquer negócio. O cliente passou a ser paparicado.
Como num daqueles mistérios nebulosos que só as lendas de Avalon e as operadoras de telefonia conseguem sustentar, houve uma época em que ligações telefônicas para um hospital caíam por engano no meu local de trabalho. Certa vez, atendi um vendedor de produtos hospitalares. Se meu ouvido fosse diabético, o tom de voz açucarado teria me deixado surda. Desfeito o engano, ele se tornou ríspido e desligou rapidamente, sem ao menos se despedir.
O Dia do Cliente, comemorado neste mês, é propício para reflexão. Como o cliente quer ser tratado? Com a secura de asfalto anti-derrapante ou com o melado da fantástica fábrica de chocolate? A resposta é: nem um, nem outro. Não há nada de errado em se ter o interesse em vender, mas bom senso, educação e boa vontade são atributos que deveriam ser incorporados por todas as pessoas. O cliente prefere ser atendido por alguém natural, com empatia para perceber suas necessidades, solucionando-as com eficiência, a um vendedor que o atende com simpatia forçada. As pessoas não são iguais. Atendimentos também não deveriam ser. E atendimentos também mudam com o tempo. Assim como as palavras. Hoje, com o crescimento das vendas online, o cliente é um profundo conhecedor do produto, não quer perder tempo e adora ser surpreendido.
Estratégia de venda não tem nada a ver com falsidade. Ninguém precisa ser “puxa-saco”. O cliente porque já o deixou de ser há seculos. E o vendedor porque é, acima de tudo, um profissional requisitado e desejado, quando pode ter a honra de atender não somente consumidores, mas clientes, com todo o significado que a palavra sugere nos tempos atuais.

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