terça-feira, 16 de agosto de 2011

A morte precoce sem culpados

Toda morte precoce gera nos enlutados uma sensação inquietante que nos leva a uma busca irrefreável por culpados, produtos da imprudência, indolência, falta de preparo, de sensatez ou mesmo de amor. Se o morto é uma celebridade, deixa uma legião de fãs a chorar pela sensação de abandono. Mesmo que nunca tenham travado uma conversa informal com o famoso, sentem-se próximos, porque se identificam com a imagem de alguém que é sinônimo de sucesso.
            Ninguém quer se identificar com o feio, o fracassado ou com o eternamente em segundo lugar. Os eternos segundos lugares são execrados.
Da mesma forma como os prêmios de consolação não consolam ninguém, figuras públicas alçadas a posições de vitória são como uma catarse para todos os que desejam ser admirados pela ousadia.
Sadicamente, gostamos de vê-los em situações prosaicas ou até mesmo vexatórias. Vê-los mais humanos nos faz sentir mais deuses. Quando reduzidos a pó, assumimos nosso tom professoral. Gostamos de comentar, como uma forma de pegar carona no legado brilhante do morto louco.
A recente morte de Amy Winehouse, que de tão louca, para muitos, mais previsível do que precoce, causou comoção. Mesmo tão previsível, a morte causou uma pontinha de polêmica e levantou a tendência que as pessoas têm para o lado místico. Estão falando na maldição dos 27 anos, por ela ter morrido com a mesma idade de Janis Joplin, Jim Morrison, Jimi Hendrix e Kurt Cobain. Mas ninguém se pergunta com quantos anos morreram os milhares de vítimas jovens que as drogas levam todos os anos.
Eis aí o paradoxo. Se os talentos foram interrompidos tão cedo, deveriam continuar sendo invejados como símbolo de sucesso?
Mesmo não sendo um exemplo de vitória, Amy, como numa mensagem póstuma, afirmava que poderia não viver muito, mas ao menos viveria como queria. Ah... a promessa de liberdade e seu prazer sem culpa.
A maioria dos jovens quer tudo. Sempre à espera de um milagre, continuar vivo, não importando o que se faça, mas sem envelhecer, como os personagens bonitos do juvenil blockbuster Crepúsculo.
Só não envelhece quem morre jovem, perpetuando o mito. A morte precoce coroa os belos e talentosos com o elixir da juventude eterna. Teriam eles, então, se auto imolado para continuar no Olimpo?
Quando Marilyn Monroe se matou, eternizou-se o mito da conspiração para matá-la. Quando Michael Jackson morreu, as suspeitas recaíram sobre o médico que lhe prescrevia medicamentos. Também voltou à tona a infância difícil, com direitos a sopapos do pai durante os ensaios. Sobre Elvis, alguns afirmam que “não morreu”. Já Amy não morreu apenas. Já estava “morta” há muito tempo. Sentenciada tão precocemente que nos deixa árdua a missão de encontrar um culpado. Vão crucificar o pai, por ter assinado a autorização para liberá-la da clínica antes do tempo recomendado. Vão criticar para sempre o namorado bad boy que lhe apresentou as drogas. Vão diagnosticar que a fama era incompatível com sua personalidade. Vão dizer que a mídia a explorou. Não faltarão tentativas, mas todas elas murcham quando se constata que nós, meros mortais, somos deparados diariamente com situações parecidas. Nós, como os deuses loucos, também não temos pais perfeitos. Muita gente já teve um namorado canalhão. Experimentamos altos e baixos e gente que, não raramente, nos explora, a começar pelo governo.
Fica difícil encontrar mérito no desperdício do talento, porque todo talento é um presente. O que merece crédito e admiração é o que fazemos com ele. É preciso muita garra pra não se enterrar mais cedo que o previsto, com medo do futuro – coragem e sabedoria para envelhecer com dignidade e provar que se pode ser ainda mais feliz do que o mito. No fundo, todos nós queremos as duas coisas: sermos imitados e felizes. Nem sempre é possível, mas ser feliz já é suficiente para fazer anjos e deuses tremerem de inveja.
(Publicado no Jornal do Comércio, veículo de comunicação do Sincomercio Catanduva - http://www.sincomerciocatanduva.org.br/)

Nenhum comentário:

Postar um comentário