sábado, 23 de novembro de 2013

Feridas na alma



As feridas na carne são facilmente visíveis, mas as doenças da mente e da alma facilmente incompreendidas. Depressão não é frescura, falta de fé ou influência de espíritos malignos, como ainda afirmam alguns. Depressão é uma doença psicológica, e por isso mesmo invisível aos olhos humanos, capaz de enganar mesmo quando tudo parece estar bem e capaz de provocar danos no cérebro, mesmo quando tudo parece ter voltado ao normal.
Depressão pode ser causada por grandes ou pequenos traumas, pois cada pessoa é diferente e cada vivência e reação acontecem em diferentes níveis, e até mesmo pode não ter causa nenhuma aparente. Há pessoas comprovadamente e biologicamente mais suscetíveis à depressão do que outras. Orações, terapia, medicamentos, sol, exercícios, viagens, amor... tudo isso é capaz de ajudar o depressivo, pois a depressão tem cura. Depressão não é tristeza. Todo mundo tem dias que está mais triste e isso não significa que está com depressão. A depressão é uma tristeza profunda, uma agonia que inunda a alma que parece não ter fim e só quem já teve sabe o que é. Infelizmente, sofre o estigma das doenças invisíveis.
Ninguém pode ver o quanto estamos machucados por dentro. Não é como um câncer que definha a pessoa. Não é como uma lepra que mutila o corpo. Não é como uma pneumonia que torna a pessoa ofegante. Não é como uma tuberculose que faz a pessoa tossir sangue. A depressão não tem nenhuma forma material para se mostrar e é por isso que os depressivos sofrem tanto preconceito quando sofrem dos sintomas diversos da depressão, que não são apenas choro e ansiedade, mas também podem aparecer sob a forma de perda de energia ou agressividade, além de várias outras reações, que tornam o depressivo companhia indesejável e por isso ele se isola. Ele se isola não porque não goste das pessoas, mas porque já está cansado de frases feitas e porque não quer ser má companhia para ninguém e nem o cansaço de forçar uma alegria que não existe.
Ainda persiste um estigma muito grande para com as pessoas que sofrem com alguma forma de doença mental ou psicológica. Entretanto, e curiosamente, o mesmo estigma não paira sobre os que demonstram o contrário: ausência total de sentimentos.
Os depressivos são pessoas com tendência a serem mais frágeis e sensíveis à própria dor e à dor dos outros. São pessoas que pensam demais, que querem respostas demais, que se sentem impotentes quando não podem mudar realidades injustas que estão machucando os outros, por dentro e por fora.
Infelizmente, nossa sociedade, a mesma que rotula os depressivos de fracos, é regida por psicopatas e atravessa um perigoso processo de "psicopatização".
O psicopata não necessariamente é um assassino serial. A maioria, aliás, não é. Eles podem se tornar assassinos dependendo de seu histórico de vida, mas a maioria simplesmente é caracterizada pela frieza de sentimentos, individualismo, egoísmo, preocupação consigo mesmo acima de tudo, dificuldade de se relacionar com o outro e estabelecer um elo sentimental com ele. O psicopata não sofre com a dor do outro, por isso não tem tempo a perder. O psicopata não tem dramas que o afligem para o tirar de seu verdadeiro foco: vencer na vida, acima de tudo, ainda que isso signifique mentir e passar por cima de quem seja. Não é à toa que temos hoje psicopatas em cargos de liderança nos mais altos graus da nossa política e economia. Psicopatas são os poderosos do mundo, pois só eles não tem sentimentos pra lhes embaçar a sua missão de ser o primeiro, sempre o vitorioso, sempre na frente. Sentimentos só atrapalham. Amar faz sofrer. Chorar não adianta nada, nem leva ninguém "pra frente", mas quem tem sentimentos simplesmente não consegue ser diferente. Porque ou se tem ou não se tem sentimentos. E também há níveis de empatia. Há pessoas que são capazes de se conectar sentimentalmente com seus mais próximos: filhos, marido, mulher, pai, mãe, amigos até, etc. Outros são dotados de um grau maior de empatia, são capazes de sentir a dor do outro, são capazes de sentir até o ambiente, se entristecem com a própria sociedade decrépita que os rodeia e se mortificam com a impotência para mudar realidades que os psicopatas lhes roubaram, enquanto eles, os depressivos, estavam "distraídos" com os próprios sentimentos.
Sim, neste mundo, parece que os maus sempre levam a melhor, porque eles não pensam duas vezes antes de trapacear. Por isso estão sempre na frente. Os bons são regidos por leis éticas, morais e sentimentais. Fala mais alto o coração e isso pode atrapalhar o seu sucesso no mundo.
Entretanto, sentir demais não deve ser motivo de vergonha. Este mundo cada vez mais cheio de psicopatas, de brilhantes economistas, banqueiros, administradores, engenheiros... vai precisar de poetas, artistas, filósofos, músicos, escritores, enfermeiros e médicos que se dedicam de corpo e alma e outras pessoas que tem uma missão na terra, que é fazer a diferença. Eles serão a luz do mundo. Eles serão o sal da Terra. E por causa deles nem tudo estará perdido.
O mundo caminha para um caos, mas a maioria dá de ombros como se isso não tivesse nada a ver com eles. Graças a Deus, o coração de alguns ainda queima por causa das injustiças e das tristezas e isso os compele a lutar a fazer algo, mesmo em meio a dor.
O mundo vai precisar de quem é capaz de sentir dor. Não só a própria, mas a dos outros.
O mundo vai precisar de gente que fala olhando nos olhos, que fala com o coração e que não tem vergonha de chorar.
Podemos não ser tão vitoriosos no material sentido da palavra, agindo com o coração, mas para os que verdadeiramente agem com o coração, o ser vitorioso não tem a mesma importância que tem para o psicopata.
E é por isso que apesar de considerar grave esta epidemia de depressão, não acredito que a depressão seja a doença do século 21. Foi a do século 20. A doença do século 21 é a psicopatia, disfarçada de obsessão pela vitória e competitividade, mantida com os convivas de revistas onde o máximo de profundidade que são capazes de chegar é a profundidade de suas próprias jacuzzis.
Talvez não devamos curar todos os tristes, mas apenas mantê-los sãos e decididos a continuar lutando, porque o mundo precisa mais dos tristes que dos alegres. O mundo precisa mais de quem entende da dor deles do que dos que sequer sabem do que você está falando.

Um comentário:

  1. Parabéns pelo texto brilhante.....Aliás gostaria de deixar uma pergunta, estou pensando em me separar, pois minha esposa mistura traços de psicopatia(revolta por quade nada, intolerância à dor,ciúmes doentio e falta de saber perdoar e de empatia)com depressão(pensamentos suicidas,infantilidades, tendência ao isolamento e baixa auto-estima). A QUESTÃO É, VOCÊS ACHAM POSSÍVEL UMA PESSOA ESTAR DEPRESSIVA E MESMO ASSIM APRESENTAR TRAÇOS DE PSICOPATIA?(ESTAMOS CASADOS À 5 ANOS E A DEPRESSÃO SEMPRE VAI E VÊM, MAS AS CARACTERÍSTICAS AGRESSIVAS VIERAM POUCO TEMPO ATRÁS) DEPOIS DE ESTUDAR MUITO SOBRE O QUE EU PUDE TER FEITO DE ERRADO E SE A CULPA NÃO É MINHA EU ME PERGUNTO: SERÁ QUE UMA DESSAS FACES DELA SERIA TEATRO?UMA DOENÇA PODE ALIMENTAR A OUTRA PARA QUEM ESTÁ EM CIMA DO MURO?ESTOU CONFUSO, E ANSIOSO PELA OPINIÃO DOS(AS) AMIGOS(AS)

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