“Já não se
fazem mais dias como os de antigamente”. Naquele tempo é que era bom”. “Hoje em
dia nada presta, já não há mais respeito, as pessoas não aguentam mais a
violência, já não se respira mais poesia no ar”. “Os cantores não cantam e nada
se cria, tudo se copia”. Assim como estas frases há tantas outras que nos
mostram como a sociedade costuma ser muito mais complacente com os leões que
já matou. Explico: se matamos um leão por dia, velamos nossos felinos de
antigamente com uma dose de saudosismo muito maior.
Quando um novo ano começa, as
pessoas tendem a ficar ainda mais saudosas, relembrando o que passou,
refletindo sobre as oportunidades não aproveitadas, as pessoas ou coisas
perdidas, para as quais talvez não tenham dado o devido valor. Guardam boas
memórias para sempre em seus corações e, quanto mais o tempo passa, com mais
saudade se lembram desses acontecimentos marcantes, como se no momento em que
os viveram não as tivessem experimentado com a devida lucidez.
Admito: já não se fazem mais
artesanias como as de antigamente. Entornamos uma sopa instantânea para enganar
a fome antes sossegada nos molhos de ervas das avós, que ainda tinham o bálsamo
de não ouvir funk. As mulheres eram mais girly, mais comportadinhas – será? Que
responda Nelson Rodrigues – mas será que vivemos pior do que no passado? Parece
que o tempo corria numa velocidade mais lenta, até os filmes de antigamente
eram mais lentos. Quem consegue assistir o “Anjo Azul”, com as celebradas
pernas de Marlene Dietrich, sem bocejar, só pra posar de intelectual?
E que me desculpem os
saudosistas de plantão, mas “Aquarela do Brasil” não é nada do outro mundo. As
letras de hoje em dia são ocas, mas “esse coqueiro que dá coco” é de uma
originalidade incrível, é isso? Alguém já viu coqueiro dar manga?
E também não acho que as pessoas
eram melhores no passado. As regras da sociedade talvez fossem mais rígidas,
mas o que interessa não seria o coração? Nelsinho novamente que o diga.
Será que o nosso presente ou nosso passado recente é ou foi assim tão
ruim? É preciso também aprender a contar os nossos ganhos, ainda que sejam
poucos. E será que são tão poucos assim? Temos a tendência de nos acostumarmos
com tudo de bom que nos rodeia. Assim, com o tempo, passamos a não perceber
mais a existência deles, como o ar que respiramos. Trabalhamos, vamos às
compras, à academia, sem pensar na existência do ar, mas venha alguém nos
prender a respiração ou ainda passemos por uma situação de temporário
afogamento, para ver o quão difícil é viver sem ar. E assim é com muitas coisas
na nossa vida, para as quais não somos agradecidos o suficiente e essa postura
revoltada e ingrata diante da vida nos engessa, prejudica o nosso avanço e o
nosso viver. No caso dos empregados, impede que eles vejam os benefícios do
local onde trabalham, passando a enxergar apenas os defeitos – e nada é
perfeito – e assim parece que nada está bom. Se fossem mais gratos e dedicados
só teriam a ganhar. Se tivessem mais benevolência para entender o colega,
teriam menos intrigas no trabalho. Por parte da classe patronal, muitas vezes
também falta o ver o lado positivo, as qualidades do empregado, que acaba
desmotivado, pois parece que o chefe só vê nele defeitos e nada que ele faça é
bom o suficiente. Por outro lado, muitas vezes falta o reconhecimento
necessário, no estímulo ao bom funcionário, e aí, depois que este funcionário
buscar por melhores locais de trabalho não se poderá chorar pelo leito
derramado.
No contexto de sociedade também é possível tecer alguns parâmetros e
deduzir que, sim, hoje vivemos muito melhor do que antigamente, em muitos
aspectos. Precisamos pesquisar um assunto ou uma informação? Não precisamos
necessariamente nos locomover até uma biblioteca ou a enciclopédias muitas
vezes desatualizadas. Temos a internet para pesquisar facilmente. Muitos dirão:
ah... mas a internet nem sempre é confiável. É correto. Mas você já parou pra
pensar em quantas vezes a internet quebrou seu galho? Aproximou você de
parentes e amigos antigos? Fez você conhecer pessoas novas e até um novo
emprego?
Indo um pouco lá atrás, vivemos num mundo com comunicação muito mais
estreita, onde praticamente todo mundo tem um telefone. E ao menos o mundo
ocidental não vive mais sob os grilhões do passado. Ninguém é proibido de usar
vermelho, porque esta é a cor permitida apenas para a realeza. Se um dente dói,
não é preciso mais arrancá-lo sem anestesia. As mulheres podem trabalhar no que
quiserem e votar. São as consumidoras mais influentes. Ninguém é degredado para
uma ilha hostil porque roubou um pão, racistas denunciados podem ir parar na
cadeia e pessoas com deficiência, apesar das muitas barreiras que precisam ser
transpostas, têm muito mais acesso do que antigamente, quando alguém fadado a
uma carreira brilhante poderia ser solenemente dispensado se repentinamente
sofresse um acidente que o deixasse defeituoso.
E lindo assistir a um filme de
época com princesas arrastando seus lindos vestidos, mas hoje temos fio dental
(nas praias e na pia), pílula anticoncepcional, ar condicionado, papel
higiênico, controle remoto, carros mais possantes, que exigem de nós mais
responsabilidade, é certo. Sim, temos mais fast food, mas a comida da vovó
ainda está lá se a gente quiser. Temos muitos desafios pela frente, como os
teremos agora em 2013, mas temos também tantas possibilidades e tanta liberdade
para fazermos nossas escolhas. Que as façamos com sensatez, ética e sinceridade
de coração.
Parabéns, Drica. Exclente texto!!!
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