quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

O filófilo nosso de cada dia

O mundo nunca teve tantos pensadores ao preço de um. Assistir um filme por dia, dar pitaco nos enquadramentos e fazer referências a cenas de clássicos do cinema de vez em quando fazem de você, se não um cinélogo – se é que o termo cabe – um cinéfilo digno de um rótulo cult nas rodas de amigos, regadas a néctar de Baco.
A pressa é inimiga da perfeição, mas não ter defeito é um luxo que ninguém pode bancar. Os meios de comunicação pós-McLuhan desglamourizaram todo mundo. O sonho acabou: até em Hollywood se mostra o cofrinho.
Se a democratização da imperfeição torna os deuses menos divinos, também gritou um “passinho pra frente, por favor”, na primeira classe do Titanic. Vamos apertar, gente, que estão chegando mais “ófilos” que ilhas na terra de Aristóteles.
Se necessitas tocar nas chagas, Tomé, dê uma sapeada no Facebook, Twitter e outras redes sociais. Ninguém pousa serenamente a cabeça no travesseiro sem antes postar algo interessante, chocante, fofinho ou extasiante.
Em lugar de audiência, cada usuário mede sua popularidade pela repercussão das postagens, quantos comentários rendeu, quantas pessoas curtiram ou compartilharam.
Não é suficiente apenas viajar e conhecer um lugar incrível. Antes de desfazer as malas, ou até mesmo durante a viagem, é um prazer postar fotos do lugar e se sentir uma Adriane Galisteu na Revista Caras.
As festas também não são mais festas se não forem publicadas nas redes sociais. Tal procedimento é importantíssimo para que todos saibam o quanto você é querido. Olha quantos amigos você tem!
Nem tudo é mero brioche de Versalhes nessa corte virtual. As redes cumprem um importante papel de denúncia social, envolvendo mais a população em decisões importantes para toda a sociedade. A velocidade de propagação da informação traz em seu bojo espaço para sofismas e notícias não bem apuradas. Faz parte. Basta a cada dia o seu deslize.
Se a geração de Nelson Rodrigues fazia de tudo para zelar por sua privacidade, o jovem de hoje não liga muito para a superexposição e suas consequências, um terreno vastíssimo para a peneira das empresas, que utilizam as redes para seleção de candidatos, cruzando o que vêem com as informações oficiais contidas nos currículos.
Que maravilha as redes sociais! Se no passado a maioria chiava quando desafiada a redigir uma redação, hoje acha uma delícia se sentir um pouco poeta. Nas manhãs mais inspiradoras, compartilham o que sentem, seus valores, opiniões e indignações, mensagens otimistas ou chacoalhões, lembrando até fatos históricos que marcaram a humanidade.
Finais e inícios de ano são momentos cruciais. É quando as pessoas se sentem mais sensibilizadas. As redes superlotam de filósofos ou, num ousado neologismo, filófilos, sem-mestrado e sem-PHD.
Os que não foram abençoados pela pena de Camões parafraseiam. Dos parafraseados em língua portuguesa, talvez a campeã seja Clarice Lispector, que já disse por aí até o que ela nem sonhou dizer. Bom pra ela, que é plagiada ao contrário.
Para mim, entretanto, o mais delicioso é quando as redes lembram os aniversários. Você não tem mais que necessariamente lembrar do fulano. Não vai mais encarar expressões emburradas nem passar dias se desculpando. Entretanto, ainda estou tentado descobrir o mérito de se lembrar do aniversário de alguém porque o Facebook avisou. E aí são alguns segundos redigindo: “parabéns, muitas felicidades”, “ você é especial, continue assim”, “que seus sonhos se realizem” e coisas do tipo.
Que entrem as frases de pára-choque de caminhão, filosofia barata, afetação, informação, surpresa, diversão. Logo será politicamente incorreto dizer que eles não podem desfrutar da mesma seara de Carlos Drummond de Andrade.
Nossos filófilos, os filósofos sem diploma das redes sociais e blogs, na mesma linha dos enófilos que, sem nunca ter pisado numa faculdade, nos deliciam com suas pérolas emprestadas enquanto visitamos sua adega de vinhos, são um alívio, um soco no estômago da chatice institucional, dos senhores feudais e seus 90% de analfabetos, do manequísmo dos perfeitinhos bonzinhos perseguidos pelos mauzinhos. São de uma sinceridade cortante quando esfarelam nosso mar de ilusões e mostram quem realmente são, mesmo quando escancaram seu lado mais vibrante e elevado. Sirvo-me dessa taça sem medo. Não há suspiro de insinceridade que resista ao décimo gole.
Quem nunca deu uma espiadinha ou extravasou seu lado filófilo que atire a primeira pedra. Em tempo, e para não perder a prática: “Quem está ao sol e fecha os olhos começa a não saber o que é o sol e a pensar coisas cheias de calor/Mas abre os olhos e vê o sol e já não pode pensar mais nada/Porque a luz do sol vale mais que os pensamentos de todos os filósofos e de todos os poetas”. Palavras de Fernando Pessoa. Gostou? Curta, comente, compartilhe.

Nenhum comentário:

Postar um comentário