Onde você
nasceu? De que forma você nasceu? E de que forma nasce o preconceito? Para
responder tais perguntas, defina primeiro a que geração você pertence. Você é
Geração Coca-Cola, Geração Paz e Amor, Geração do Voluntariado ou da Geração
dos Desclassificados? Se o preconceito brota de você, sua geração não merece
sequer classificação. Porque o preconceito nasce do desconhecimento.
Estranhamos e ‘desgostamos’ aquilo que não conhecemos. Se as pessoas fossem
mais viajadas e mantivessem a mente aberta para as diferentes culturas, seriam
tão mais interessantes quanto menos preconceituosas. De quebra, aprenderiam
mais e contribuiriam positivamente para o crescimento do outro. Todos ganhariam
com isso.
Não é de se
estranhar que o preconceito encontre raízes fortes entre pessoas com nível
educacional mais baixo. Mas também é possível ver gente rica e com curso
superior agindo de maneira preconceituosa, porque não dá pra
confundir conhecimento acadêmico com o verdadeiro conhecimento, com uma pessoa
que pensa.
O
preconceito é de todas as cores, credos, origens e opções sexuais. E para se
distanciar ainda mais do objeto odiado, o preconceituoso se apega a
estereótipos, fortalece ideias e mitos criados para
enfraquecer a classe odiada. E assim germinam absurdos que ligam latinos a
drogas, homossexuais à perversão, negros ao fraco desempenho intelectual e bom
desempenho nos esportes, nordestinos à imagem do migrante pobre e inconveniente.
Para que
este artigo não tenha 30 páginas, vamos nos apegar ao mais recente caso da estudante
de Direito Mayara Petruso, punida pela Justiça pelas declarações
preconceituosas contra nordestinos no Twitter.
Há muitos
outros paulistas e paulistanos como ela, infelizmente. Como nordestina, sofri
certo preconceito quando me mudei para Catanduva ainda criança, mas na época
não se falava em bullying. Era tudo
encarado como brincadeira, mas é uma brincadeira que acaba sendo divertida para
quem a faz. Poucos procuram saber se a brincadeira está agradando quem é o alvo
dela. No ano de 1983, houve uma severa seca no sertão nordestino –
como aliás acontece de tempos em tempos e ninguém resolve – e a imagem do nordestino
era vinculada à miséria, à carência e, claro, era tudo verdade, mas em vez dessa verdade suscitar maior interesse dos brasileiros de outras regiões pelos
problemas que são do Brasil e não se restringem só a uma região, é mais fácil
se manter ausente, como se aquilo fosse um outro país, e tratar as pessoas que
vêm de lá quase como animais. Senão como animais, brasileiros inferiores, de
certa forma, não como os brasileiros germânicos do sul. Cansei de ouvir declarações
como: “Você é paraibana? Nossa... mas você é alta, tem boa aparência...”. Lembro
que nos anos 80, alguns brasileiros sequer sabiam da existência de alguns
lugares paradisíacos no Nordeste. Achavam que aquilo era só seca, que não tinha
belezas. A barreira turística foi rompida, mas ainda há muita desinformação. E isso está profundamente ligado ao péssimo nível
educacional do brasileiro, que desconhece seus próprios gênios, num país onde
a bailarina do Latino é mais conhecida que um escritor do naipe de Ariano
Suassuna.
E o escrito
paraibano é apenas um entre tantos exemplos de nordestinos famosos, talentosos,
inteligentes e bem sucedidos que vou elencar. Entre os músicos: Caetano Veloso,
Gilberto Gil, Moraes Moreira, Lenine, Raul Seixas, Pepeu Gomes, Zeca Baleiro,
Fagner, Djavan, Hermeto Pascoal, Dominguinhos, Luiz Gonzaga, Chico Science.
Entre os
escritores: Jorge Amado, Guimarães Rosa, Arthur Azevedo, José Lins do Rego, Graciliano
Ramos, João Cabral de Melo Neto, José de Alencar, Nelson Rodrigues. Raquel de
Queiroz.
Entre as
modelos internacionais temos: Adriana Lima, Fernanda Tavares, Laís Ribeiro, Suyane
Moreira, Emanuela de Paula, Bruna Tenório, Daniela Alves Rezende, Kamila
Hansen, Simone Carvalho, Isabela Melo, Luciana Curtis.
Temos ainda
o jornalista Assis Chateaubriand, os cineastas Cacá Diegues e Glauber Rocha, o poeta
Castro Alves, o dramaturgo Dias Gomes, o sociólogo Gilberto Freyre, os atores Marco Nanini e Wagner Moura, o pedagogo Paulo Freire, o pintor Romero Brito e tantos outros.
Os
nordestinos encontram-se em todas as partes do país, misturam-se a todos nós,
brasileiros. Como é possível, então, que em pleno século 21, um povo tão
notadamente reconhecido pela sua simpatia e miscigenação, seja preconceituoso
para com quem vêm de outras paragens, em especial a região Nordeste?
Quais
características de outras regiões fazem seus moradores sentirem-se tão
diferentes? Curitiba, tão elevada à condição de capital europeia brasileira,
têm amargado índices de criminalidade altíssimos. São Paulo, a cidade que nunca
pára – graças em boa parte ao trabalho dos nordestinos – é uma cidade feia. Com
partes bonitas, áreas desenvolvidas e onde se encontra de tudo. Mas, convenhamos, se compararmos com outros grandes centros do mundo, como Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro ou Fortaleza, São Paulo não tem grandes belezas que se destaquem
em sua paisagem. E o caso aqui não é falar mal desta ou outra cidade, mas de se
encarar a realidade. E talvez a mais gritante delas seja o fato de que muitos
neonazistas que batem em nordestinos dobram a esquina e pedem uma tapioca com doce
de leite. Porque simplesmente há milhões de paulistanos descendentes de
nordestinos. Porque os paulistanos podem descender de qualquer um de qualquer
parte do mundo. Porque São Paulo talvez seja a cidade mais brasileira do Brasil
justamente por isso, por reunir numa só cidade pessoas com ascendências de
diferentes etnias e regiões. A maioria de quem está lá veio de algum lugar e
por isso toda sorte de preconceito se torna não apenas inaceitável como
ridícula.
Outro ponto
a se considerar é o de que, nos últimos tempos, a situação tem se invertido e
muito. Não assistimos apenas a migração de nordestinos para a região Sudeste,
mas também de gaúchos para a região Centro-Oeste e Nordeste, que está, por
sinal, industrialmente em franca ascensão, impulsionada pelo pujante potencial
turístico, e de brasileiros de todas as partes do Brasil para a região Norte,
tão carente de diversos tipos de profissionais, principalmente os da área da
Saúde. Vão atrás de oportunidades e colaboram para o desenvolvimento daquela
região. É uma via de mão dupla.
Faço minhas
as palavras da líder nordestina Francis Bezerra sobre a infeliz frase da tal
estudante de Direito. Sobre esse tipo de gente, Francis diz assim: “São pessoas
que não pagam aluguel, não têm compromisso com água, luz, alimentação. Não
sabem o que é fome, o que é morar na rua. Então, têm tempo para isso. Recebem
uma boa mesada e não têm compromisso com o País. Essa geração não é nem
coca-cola, nem paz e amor. É uma geração que sequer tem classificação. Uma geração
que tem pai e mãe que dão tudo. Essa geração é pobre de espírito, de cultura,
de tudo. O Brasil está muito mal preparado para o futuro".
Estes mesmos
brasileiros que agem como se nada dissesse respeito a eles, não gostam de ser
tratados com desdém em países desenvolvidos. Então por que odiar alguém que
mora no mesmo país, simplesmente porque ele não nasceu na mesma cidade ou
região?
Afirmam que
levas de nordestinos desestabilizaram a infra-estrutura de grandes cidades como
São Paulo, mas por que odiar os nordestinos e não os governantes, por não terem
colocado em ação políticas públicas suficientes para evitar esse êxodo e,
consequentemente, o ‘inchaço’ populacional dessas metrópoles?
Concluímos
que o Brasil está do jeito que está e é do jeito que é não apenas por culpa dos
políticos, mas por culpa de toda a cultura de seu povo, fragmentado em diversos
grupos sociais, cada um com uma visão não de Brasil, não do todo, não do que é
melhor para todos, mas do que é melhor para o seu grupo, para sua classe
social, para sua profissão, para seu grupo religioso, para os que compartilham
da mesma opção sexual. Formam-se, então, clubinhos, que acabam não tendo a
força que deveriam ter justamente por seu egoísmo, porque estão fragmentados e
enfraquecidos pela limitação de suas aspirações em torno de interesses pessoais.
E obviamente que quem leva a melhor sempre é quem pode mais.
A lei está
aí e punirá a todos que forem idiotas suficientes a ponto de externarem seu
preconceito bobo em redes sociais. E isso não deixa de ser um ‘cala a boca’ bem
contundente.
Mas para
calar de vez a boca dos preconceituosos, que saibam que preconceito nenhum
nunca vai apagar esse brilho trazido para todo o Brasil e repercutido para o
mundo através dos nossos brilhantes nordestinos, sejam eles famosos ou não,
sejam eles artistas ou trabalhadores braçais incansáveis, que com sua força
construíram cidades inteiras, em todas as regiões do País. Afinal, o sertanejo,
o nordestino, como já dizia Euclides da Cunha, “é antes de tudo um forte”.
Adriana Moura (jornalista, escritora e
nordestina natural de João Pessoa, Paraíba, com muito orgulho)
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