No dia 22 de
maio comemoramos o Dia do Abraço. Cada vez fico mais boba de ver como a nossa
sociedade anda mais carente que meu coelhinho fuzzy lop. Todo dia de manhã ele
rodopia à minha volta, como se eu fosse literalmente o sol da vida dele, depois
senta numa posição de Buda roedor, só querendo dizer uma coisa: acaricie-me. E
eu obedeço. Se um alienígena fosse enviado a Terra pra espionar a raça humana e
visse a situação, ia reportar a seus superiores que no Planeta Terra os coelhos
got the power.
E eu abraço
meu coelho e não abraço meu vizinho. Isso faz de mim a pior pessoa do mundo?
Acho que não. Eu abraço também a minha mãe, o meu marido, amigos íntimos. E
nunca precisei de um Dia do Abraço antes, o que me leva a pensar na razão de
terem criado uma data tão idiota.
E antes que
me acusem de insensível, eu explico. Abraços e beijos são coisas simples demais
– ao menos deveriam ser – para serem transformadas em datas. E se assim foram é
porque há algo de errado com as pessoas e inventar uma ocasião especial pra
isso não vai resolver nada, não vai acabar com toda a insensibilidade do mundo
cheirar o cangote de um completo estranho.
Colocar um ativista
para estimular a cultura do abraço em série numa rua movimentada, com um
cartaz no pescoço escrito “abraços grátis” ou aparecer no trabalho abraçando
todo mundo, até aquele que está açoando o nariz, só vai produzir duas coisas:
constrangimento e epidemia de gripe.
Num dia
assim deve ter muita gente que se esconde no banheiro pra não levar um abraço
daquele que tem fama de tarado, do outro que tem bafo, da fulana que tem cecê
ou ainda daquela outra inconveniente que te abraça pra logo depois dizer: “deu
uma engordadinha, né?”.
Abraço não se força, não se impõe, não se
manipula, não se sugestiona. Acontece naturalmente. E se não acontece não é o
fim do mundo. Eu prefiro uma pizza.
Vão dizer
por aí que o mundo está do jeito que está porque as pessoas não se abraçam. Mas
eu digo que talvez elas não se abracem exatamente porque o mundo está do jeito
que está e não é conveniente sair por aí abraçando todo mundo e depois por a
mão no bolso e sentir falta da carteira.
Não é o
roteiro do nosso teatro que tem que mudar, mas o nosso interior. O mundo
precisa de mais sinceridade, honestidade, coerência, caridade, ética, paz, amor,
atitude, constância. De tanta coisa! Eu acho que abraço é o que menos a gente
está precisando. Principalmente quando eu penso em Brasília.
O mundo
definitivamente não precisa que todo mundo se abrace gerando uma propagação em
massa de vírus e bactérias, pra depois cada um voltar pra sua casa exatamente o
mesmo.
Eu não
abraço todo mundo que gosto e admiro. Apenas me relaciono com cada um de
maneiras diferentes, como convém ser. Eu admiro o escritor Ariano Suassuna, mas,
de todo o coração, não preciso abraçá-lo. Eu adoro ler as crônicas de Luís
Fernando Veríssimo, mas se ele não quer me abraçar eu fico totalmente
indiferente. Meu vizinho da frente é simpático, sempre me cumprimenta com um
sorriso, mas não vejo a menor necessidade de trocar contato físico com ele. A
recepcionista de onde eu trabalho é muito eficiente e eu reconheço isso, mas
acredito que ela prefira receber um elogio numa reunião com o chefe que um
abraço. Da mesma forma como eu amo de paixão um monte de gente com as quais jamais
viajaria junto, pois, pacatos como são, seriam péssimos companheiros de
aventuras. Do mesmo jeito como eu ajudo a quem não confio, como eu me divirto
com quem não sabe dar conselhos. Pela mesma razão pela qual valorizo muitas
pessoas, mas não sou nem louca de comer a comida delas – eu me amo e não confio
na minha comida – ou ainda o motivo pelo qual, quando eu viajo, não deixo meu
coelhinho com amigos meus que eu adoro, porque ainda que eles jurem que vão
cuidar eu sei que existe uma grande possibilidade do meu orelhudo morrer de
sede. Ainda outros dizem que não podem ficar com ele porque ele roeria seus
móveis todos, o que é bem provável. Como devo interpretar isso? Que eles gostam
mais dos móveis do que de mim? Não. Da mesma forma como o fato de eu não
abraçar alguém não me torna insensível ou fechada.
E só pra
finalizar: meu coelho odeia ser abraçado. Ele sai correndo. Ele gosta de
receber carinho sem ser apertado. Ele gosta do que eu sou capaz de lhe
proporcionar, apesar de não saber a menor ideia de quem eu sou realmente. Eu
posso ser uma psicopata que pra ele não vai mudar nada. Ele vai continuar me “adorando”,
jogado aos meus pés, exagerado. Porque é isso que fazem os animais.
Por isso
mesmo, como seres humanos, deveríamos esperar por muito mais que um mero
abraço, porque abraçar uma pessoa que mal conhecemos e sequer despertamos a
curiosidade por conhecer, para depois virarmos as costas e voltarmos pra casa
com a sensação de dever cumprido, não nos faz pessoas melhores. Não quer dizer absolutamente
nada, se ainda continuamos a sociedade egoísta e individualista, que prefere
interagir com uma iguana do que com a complexidade de outro ser, afastando-se
dele ao menor sinal de desagrado ou discordância, alegando sempre
incompatibilidades que no fundo não passam de agressão ao próprio narcisismo. Dia
do Abraço? Sinceramente? Pro meu coelho pode estar valendo, mas continuo
esperando mais dos seres humanos.