Socorro! Laser, ultrassom, mesoterapia, cremes e pílulas anticelulite,
drenagem linfática, vinagre balsâmico, equipamentos de academia de última
geração, bisturis, botox, pedras e mantras... Inventem uma máquina do tempo
também. Quero voltar para a Renascença!
Quantos defeitos nossos internautas vorazes veriam no nu de Afrodite,
nascendo toda serelepe das brumas do oceano. Deprimida em sua barriguinha de
verme, se entocaria para sempre na ostra da qual saiu ou se afogaria de uma vez
nas águas do Egeo.
E a Monalisa, com sua cara redonda demais para as semanas de moda,
receberia toneladas de maquiagem corretiva. Depois a confinariam num calabouço
sem comida por pelo menos sete dias, a ver se aquele duplo queixo sumia de vez.
Problema maior seriam as saboneteiras. Onde estão as saboneteiras de Monalisa?
Silicone, sim, mas aquele colo fofo de matrona jamais se enquadraria no padrão
de beleza atual.
Acho que não preciso citar Botero aqui. Prosssigamos. O que eram
aqueles culotes da Vênis de Alexandre Cabanel? E olha que ele teve séculos para
apurar sua estética, já que entre a sua Vênus e a Monalisa de Da Vinci
passaram-se séculos.
E que dizer da Bathseba de Rembrandt? Bela aos olhos do pintor holandês
e talvez até para o próprio Rei Davi, mas hoje o que diriam os críticos de
plantão? Na certa receitariam 500 abdominais diárias.
Em períodos mais surrealistas, Salvador Dali expôs as costas flácidas e
os peitos pequenos de sua Gala, com a veneração digna dos apaixonados.
Mas voltemos à Renascença, a minha favorita era das musas
deliciosamente confortáveis em seus corpos brancos e roliços, com seios como os
fez a natureza, quadris largos como a maioria das mortais, coxas de parideira e
ventre de quem come para viver.
E aí então, de uma vez por todas – dirão, eu sei – vistam a Maja! Não
tem espelhos em casa essa desavergonhada? Com que audácia se despe esparramada
numa cama, ostentando tantas carnes, tantas mais do que se pode admitir nos
tamanhos da indústria convencional, tantas curvas perigosas demais para que não
sejam rasgadas pelo tom repressivo dos acadêmicos da estética moderna.
Vistam Maja, já agora. Ela que se recolha ao seu lugar de bom senso,
que fique no passado, com cheiro de tinta molhada e longe das vistas hedonistas
de todos os que desejam transformar mulheres vivas em personagens de cartoon.
Enfiem-lhe uma burca até, se for preciso, para que não tenhamos de vê-la
daquela forma, com tamanho orgulho de si mesma. Para que não tenhamos que
espalhar por aí que ela posou deitada para esticar a banha.
Não há pecado maior no século 21 do que não ter a aparência dos que
podem pagar pelos caríssimos procedimentos estéticos. Não há prevaricação mais
grave do que não ser perfeita esteticamente e não ter o poder nas mãos. O
resto, o interior, fica para a nossa imaginação ou para a criatividade de
infames tablóides.
Afinal, de que interessa ser bom e ser fotografado em projetos para a
salvação da humanidade, se não for para fazê-lo ostentando um modelito
original?
Os pintores e escultores pintaram e esculpiram a tez e o vigor de
veias, músculos e carnes humanos porque não podiam retratar suas almas, mas
buscaram retratar sua forma de vida livre e o mais profundo que chegaram deu em
sorrisos enigmáticos e olhares profundos, as janelas da alma.
Quanto ao corpo, já que a Maja não serve para ser consumida nas páginas
da Playboy, hoje certamente a vestiriam e, de lambuja, lhe comprariam uma
esteira. Se faltasse verba e sobrasse preguiça, um photoshop serviria.